13.2.09

Salazar, fosse vivo, ainda o apanhávamos no Salão Erótico do Porto


Anda por aí um banzé por causa de uma série televisiva que retoma a biografia do ditador Salazar (um filão). Muita gente assarapantada por Salazar ser retratado como um mulherengo, contrariando a iconografia oficial e as biografias dos detractores que, ao menos, coincidem na visão casta do homem.


Os críticos não se conseguem desligar da biografia oficial do homem, insurgindo-se contra o suave revisionismo que mostra a suposta faceta escondida de galanteador. Percebe-se a apoplexia. Para os penhores da historiografia oficial do Estado Novo (que só pode ter o selo do Professor Rosas, numa coutada intelectual reveladora de má convivência com a alternatividade de ideias), calha mal saber-se que o ditador se entregava aos prazeres carnais. Convém reter, nos manuais que encerram a definitividade da história do Estado Novo, que o ditador albergava os piores defeitos que podem convergir num ser humano. Uma peça de ficção a retratar um Salazar doido por um rabo de saias contraria a misoginia que era a sua imagem de marca. Pânico entre os pastores do "anti-fascismo": um estouvado por mulheres tem uma faceta humana, é gente de carne e osso como todos os que se dão às coisas lascivas. O que vem em desabono da imagem cultivada de homem diabólico e desapiedado.


(Não o admiro, ao ditador de Santa Comba Dão, mas intriga-me a perpetuação da imagem dantesca de um homem que marcou um período sombrio da história. Andamos a denunciar o enfeudamento a salazarentas maneiras de ser e temos que apanhar com a retórica dos "anti-fascistas" e dos historiadores que selam a versão oficial da história daquele período. O que tem o condão de prolongar o estigma de Salazar para o tempo corrente. Quando já devíamos ter amadurecido ao ponto de o encerrar no mausoléu dos esquecidos.)


Do lado contrário, saudosistas (declarados e os que o são por portas travessas) ofendidos pela ousadia dos argumentistas da série. A honra do estadista vilipendiada, no pior dos vilipêndios – o que acomete sobre pessoas já sepultadas. É indecoroso sugerir que os santos têm deslizes lúbricos.


De ambos os lados, a excitação refina a convicção de como Salazar ainda atormenta o que somos, e fá-lo das profundezas do túmulo. É a dor maior: sentir que Salazar é ainda figura tutelar (no pior dos sentidos). O que interessa saber se a série televisiva é um retrato fidedigno de Salazar? Não terá passado pelas cabeças dos críticos que aquilo pertence à ficção? E que, na ficção, a regra número um é a criatividade, sem peias com a realidade? Quem assegura que a castidade do ditador corresponde ao que ele foi em vida?


Aos críticos e aos adoradores de Salazar, outra interrogação: vem algum mal ao mundo se o ditador era afinal um pinga-amor? Um piegas romântico, escrevendo arrevesadas cartas de amor que deixavam as donzelas sem pingo de sangue, afogueadas pelo êxtase na leitura das cartas escritas pelo punho de ferro de Salazar? Porventura o grande amigo do ditador, o cardeal Cerejeira, não haveria de gostar desta faceta libertina, pois vingou a imagem de Salazar como um padre sem paramentos, um padre a quem só faltou a ordenação. E, daí, talvez tudo ao contrário: não era Cerejeira o confessor do presidente do conselho de ministros? Sabe-se lá se as fantasias de Cerejeira não eram povoadas pelas confissões de Salazar…


Salazar gostava de mulheres – e muito, a crer na série que passa na televisão. Critica-se o homem por isso? A narração teatral serve-se dos predicados da criatividade, como sabemos. Eis um ensaio de criatividade: supor que o ditador ainda era vivo e que estava na posse das capacidades outorgadas pelas hormonas masculinas. Descrever um dia na vida de Salazar, o dia em que apanhava o Alfa até ao Porto e se fazia deslocar de táxi até Gondomar. Não seria uma visita de cortesia ao edil local o que o trazia até Gondomar. Tinha marcado na agenda, e com sinalética "urgente", a visita ao Salão Erótico do Porto. De onde não sairia sem mais uma conquista de ocasião. Fica ao critério do leitor imaginar a identidade da moça engatada: estrela recrutada para o certame, ou uma ninfa de visita ao local? Com direito a reportagem numa das revistas cor-de-rosa que por aí pululam.

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