Sabem o que são baratas tontas – e por que são tontas quando são usadas como metáfora? São as frouxas lideranças pelo mundo fora, depois do choque frontal com a impiedosa crise. Políticos desnorteados, afogueados pela espiral de acontecimentos que amplifica a crise e afunda a economia num poço a que já se não vê o fundo. Ao início, acreditaram quase em uníssono que iam buscar a receita milagrosa às catacumbas da memória. História económica a debitar lições. Ontem como hoje, na depressão da década de trinta como agora, para o grande mal a presciência das soluções ensinadas por Keynes.
Agora começam a ficar desesperados. E nem os outrora "neo-liberais" (o que quer que o chavão signifique) convertidos ao credo keynesiano, que entretanto selaram propostas impensáveis (nacionalização temporária de bancos e todo um receituário que andaram anos a fio a negar – muito défice orçamental, o milagre para retirar a economia da crise), nem eles se salvam da perturbação geral. Uns poucos escapam ao embaraço da perda de referências, diga-se: os "economistas heterodoxos", de tanto tempo a remar contra a maré agora embuçados na sua apoplexia, convencidos que os acontecimentos vieram entronizar a sua razão.
O sinal de bússola sem conserto é o regresso ao nacionalismo económico. Os amadores chamam-lhe "proteccionismo", sem saberem o que dizem ao empregarem a palavra. Através do proteccionismo os países redobram os obstáculos às trocas comerciais, aumentam a fasquia à entrada das importações. Encerram-se numa torre de marfim que se acantona em cada mercado nacional. Ora, na Europa unida os países perderam as rédeas do proteccionismo desde que para lá entraram. O que certos países europeus estão a fazer (a reboque dos Estados Unidos obamizados), é, como as baratas tontas, uma assarapantada fuga para lugar algum. Distribuem ajudas às empresas nacionais para poderem suportar a concorrência que vem de fora. Adoptam uma dogmática campanha de convencimento dos consumidores a comprarem o que é fabricado no país, um arremedo de solidariedade baseada no "sangue comum" como paliativo para a crise hedionda.
É curiosa a incoerência de método destes políticos em pele de baratas tontas. Quando retomam a sapiência do keynesianismo, mergulham no passado para se convencerem que é na crise de outrora que encontram as soluções para derrotar a crise de agora. Como se as crises não fossem diferentes – nas origens, nos efeitos e, sobretudo, nas circunstâncias da economia da década de trinta e da economia em 2009.
Por um momento, seja: vou acreditar que o milagre está ali ao folhear os calhamaços que historiam a crise da década de trinta. Só que depois o método é desaproveitado quando encetam a fuga para o nacionalismo económico. Por um momento ainda, o proteccionismo de então é reconfigurado no nacionalismo económico de agora. Já que estes oráculos do passado se entusiasmaram com o devaneio histórico, convinha que levassem o exercício mais longe. Convinha que se recordassem da relação causal entre proteccionismo e retrocesso económico. Está nos mesmos livros que vasculham a poeira da história (económica): uma ligação estreita entre crises e proteccionismo. Uma dupla temível. Como se fossem um tandem, a força de um (crise) a alimentar a passada vigorosa do outro (proteccionismo), que impulsiona uma pedalada ainda mais forte do primeiro.
Talvez por estarem no papel de baratas tontas, os frouxos líderes entregam-se à sua anamnese. Na Europa que já não deixa os países serem fortalezas comerciais por sua conta e risco, o nacionalismo económico é o instrumento sobrante. A derradeira opção para os países europeus negarem um esteio daquilo que os uniu desde a década de cinquenta – a extinção das fronteiras nas trocas de produtos e serviços. A desorientação é tanta que até os fundamentos são espezinhados, como se a inversão de tudo o que era fosse capaz de varrer os ventos tempestuosos da crise que anda por aí, teimosa e miasmática.
Lamentavelmente, o mau exemplo vem de grandes países europeus, a França à cabeça na restauração do nacionalismo económico. Os pequenos países, comprimidos na sua irrelevância, esboçam tímidos protestos. Sabem que o reverso do nacionalismo económico dos grandes é um sucedâneo de proteccionismo: menos espaço para as exportações e mais arrefecimento da economia.
Oxalá as lideranças, mesmo que frouxas, ao menos soubessem ler a história. Saberiam que o monástico nacionalismo económico só consegue agravar a crise. Perceberiam que é uma doença que se contagia. Assim que todos estiverem na sua torre de marfim, com altas cercas à volta, lá baixo medra uma economia entregue ao seu pântano.
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