O Japão ficou sem ministro das finanças. Há dias, foi apanhado em Roma com uma bebedeira descomunal. O pior é que estava em missão oficial, a participar numa reunião do G7. Não é admissível que, após a reunião dos sete países mais ricos do mundo, um dos ministros tivesse dado uma conferência de imprensa a cambalear das ideias, mostrando a embriaguez que se tinha apoderado dele. O Japão cobriu-se de vergonha, temendo a chacota dos outros. É que nestas coisas é fácil soltar a graçola para o vizinho do lado quando é o vizinho do lado que escorrega para actos indecorosos. Mesmo que os que se riem tenham telhados de vidro.
Quando o ministro adulador de Baco voou de regresso ao Japão, esperava-o a vergastada colectiva. Pelo enxovalho do Japão – e logo num tão importante areópago internacional. É preciso conhecer a mentalidade nipónica. O valor da honra tem um significado que desconhecemos no ocidente. Se há mal maior que podem fazer aos japoneses é ter o mundo inteiro a rir-se de um deslize de um dos seus. Se ele tiver as responsabilidades de um ministro, o pecadilho é intolerável por cobrir um povo com ultraje.
Não quero ferir a sensibilidade dos que recusam etnocêntricas análises. Junto-me a eles na condenação do etnocentrismo – que fique claro. Todavia, não consigo perceber a lógica retorcida de exigir aos "responsáveis" pelo que quer que seja um comportamento cuidadoso. Dizem que eles têm que dar o exemplo. Logo, não devem escorregar para comportamentos condenáveis. Até aqui o raciocínio é linear. Deixa de o ser a partir do momento em que comportamentos iguais não merecem tanta "censura social" se partirem de anónimos. Quem se importaria de ver um anónimo japonês a fazer figuras tristes numa avenida romana depois de um jantar bem regado? Nem sequer seria notícia.
Eu acho injusto os famosos e os que açambarcam a tormenta das responsabilidades políticas terem que arrostar mil e uma cautelas para não serem apanhados em contramão. Ainda por cima, há por aí uma imprensa sensacionalista de lupa em riste à espera de apanhar os famosos e os importantes no terreno interdito das proibições. Só para darem à estampa fotografias retumbantes de famosos em tristes figuras, depois de uma bebedeira, depois de um encontro furtivo com uma amante. É quando se descobre que as personagens mediáticas são vítimas de um tratamento desigual, pois é-lhes vedado o direito ao disparate. Do outro lado, um público ávido de voyeurismo é o abutre desta infâmia. Até parece que esta "indústria" existe só para apaziguar a consciência da anónima gente que se entrega aos mesmos deslizes.
O ministro das finanças do Japão, que entretanto já deixou de o ser, era – consta – alcoólatra compulsivo. Não li nenhures se era competente no cargo. Já sei, os moralistas de serviço contrapõem, neste momento, que um bêbedo incorrigível não tem condições um cargo daquela responsabilidade. Esquecem-se que muitos escritores e pintores criaram conceituadas obras de arte sob a influência do álcool. Esquecem-se que só conseguiam criar depois de terem tragado uns copos de qualquer bebida encharcada em álcool. As notícias só relatam a imagem turva de um ministro das finanças numa conferência de imprensa em Roma, a balbuciar umas palavras ininteligíveis, a cambalear de um lado para o outro ainda que estivesse sentado, quase a adormecer enquanto um jornalista lhe dirigia uma pergunta. O que as notícias não falam é da competência do ministro. E não, não venham com o desempenho da economia japonesa, paupérrimo e estarrecedor, com uma quebra do crescimento superior a três pontos percentuais, como prova do mau ministro das finanças. É que o argumento da crise como pretexto para o desastre da economia e como face salvífica da inoperância do governo de cá não vale só para cá; vale para todos, ou não vale para ninguém, estejam invariavelmente ébrios ou não.
Por falar em comparações: também consta que temos um ministro, famoso pela incontinência verbal e por ver as suas palavras proféticas serem rapidamente desmentidas pela realidade, um ministro que é muito amigo da bebida que resulta da destilação da uva. Consta que as tiradas mais patéticas deste ministro (o tal do "jamais") foram conseguidas sob a inspiração de Baco. O japonês foi demitido. O de cá, vai até ao fim do mandato, deixando um rasto de lapsus linguae.
Desorientado, já nem sei qual dos dois casos deve servir de exemplo.
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