21.7.10

A alergia dos taxistas ao cinto de segurança e a acrimónia dos bigodes


In http://bastidoressf.files.wordpress.com/2009/08/taxi-de-a-devida-comedia.jpg
Por estes dias fiz meia dúzia de viagens de táxi – modalidade que já não usava há muito. Tomei conta, em todos o táxis que apanhei, que os motoristas se esqueciam de enfiar o cinto de segurança. Ter-me-á escapado algum costume entre a classe que os desobriga de obedecer à lei e à pedagogia que vem desde os bancos da escola, patrocinada pela zelosa prevenção rodoviária, que ensina a apertar o cinto de segurança logo que entramos num automóvel?
Os motoristas de táxi preferem a largueza. São fautores de uma corporativa rixa contra o cinto de segurança. Ou então foi apenas fruto da coincidência que no punhado de viagens de táxi quem me conduziu se tenha esquecido de meter o cinto. Pode ser que haja explicação para esta demissão da lei e omissão da segurança. Aqui a veia anarquista põe-se em banho-maria. É das poucas vezes em que os costados anárquicos admitem obrigação cunhada por lei. É pela segurança que a tolero. Há dias, alguém me dizia – aqui, para minha surpresa, mais libertária do que o libertário – que enfaixar o cinto de segurança devia ficar ao critério dos passageiros e de quem se põe ao volante. Só quem nunca assistiu a documentários que mostram imagens de crash tests de protótipos equipados com manequins inanimados, quando o veículo se despedaça contra uma parede e o boneco sai disparado, ou quando o boneco se transforma num amontoado de plástico esponjoso, pode alvitrar que o cinto de segurança devia ficar ao critério de cada condutor, de cada passageiro.
Dizia lá atrás, pode ser que haja explicação para os taxistas serem contumazes no uso do cinto de segurança. Uma: como a caracterização pouco simpática dos taxistas integra o imaginário popular, na traição vulgarizada pelos estereótipos, talvez a explicação esteja na ideia de que são catedráticos de todos os saberes. Aqui a pessoal experiência com taxistas não joga a favor do estereótipo. Só tenho apanhado tipos taciturnos e calados – tão calados e, porventura, taciturnos como o rosto fechado que espreitam pelo canto do olho quando este faz pontaria para o retrovisor. Leio relatos de experiências traumatizantes, gente transportada por taxistas boçais que nem têm a noção de como as ideias que transitam pelas palavras que jorram com agressividade os expõem ao ridículo de si mesmos. Não tive tamanho azar. Contudo, a confirmar-se a ideia feita que retrata os taxistas num invólucro desagradável, estamos na senda do esclarecimento para a ausência corporativa de cinto de segurança. A assertividade das “ideias” dos taxistas convence-os que os acidentes só acontecem aos outros que andam nas ruas. São uma espécie de oráculos de si mesmos. Neles bóia um auto-anjo protector.
Outra tentativa de dar explicação ao fenómeno: com a excepção de um motorista brasileiro (que, todavia, já tinha aprendido a desusar o cinto de segurança), os restantes que calharam em sorte coincidiam noutro traço de uma certa idiossincrasia geracional – o bigode plantado por cima do lábio superior. O que vem a seguir não sei explicar, é um preconceito que assalta os medos interiores. Um farfalhudo bigode, bilhete postal da portugalidade varonil de antanho, ligo-o a alguma agnosia. Posso estar com a alçada do erro de perspectiva ao alto, mas se atarmos as pontas todas (taxistas, bigodes, ignorância e alergia ao cinto de segurança) o rastilho da pólvora fica identificado.
É tudo isto. Ou então digam-me que há uma lei que acena a excepção aos taxistas. Ou que estes aproveitam um buraco da lei e andam por aí, ufanos, a jogar à sorte com a roleta russa dos acidentes de viação.

Sem comentários: