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Ainda dizem que a vida de professor universitário é um sossego. Quem o diz não sonha os incómodos em que esbarramos. Agora que vamos na época de exames é quando se soltam as lamúrias todas. Sobretudo dos que se põem a si mesmos com as calças na mão e, com o punhal cortante a bafejar a carótida, sentem o arfar da aflição a sussurrar ao ouvido.
É a choradeira costumeira. Entregam o exame e rogam pela piedade do professor no acto da correcção. “Veja lá, só me falta esta cadeira para acabar o curso”, atiram para cima de mim. Ou variantes da melúria que vão dar sempre ao mesmo. Isto, sinceramente, incomoda-me. Já me convenci que o desconforto não tem ligação com o coração empedernido – que esse é outro achaque que não se mistura com o dilacerante apelo à comiseração com alunos aflitos.
O pior nem é a coacção psicológica que os alunos exercem (quero-me convencer que em alguns casos nem dão conta do que fazem; noutros, a coacção psicológica aparece bem vincada). O pior é a choradeira conduzir à falta de rigor, caso o pranto sem lágrimas levasse a lugar algum. Se esse fosse o caso, levava em consideração o pedido de piedade deste ou daquele aluno. Fechava os olhos aos erros e às omissões, desatando a creditar valores atrás de valores sem haver merecimento para tal. Ao fazê-lo, cometia uma tremenda injustiça pela mão das diferentes bitolas usadas. Uma, mais generosa, para os que tivessem estendido a mão em jeito de peditório pessoal. A outra, sem favores, aos que por timidez ou vergonha tivessem entregue o exame em silêncio. O pior de todos os males, contudo, seria a indulgência com a mediocridade.
Dir-me-ão que não posso fazer extrapolações do comportamento. Que ele deve ser isolado num contexto muito particular – as necessidades que desfilam ao longo do percurso académico dos estudantes, às vezes a ansiedade que os desassossega. Eu vou mais longe. Extrapolo. Este é um comportamento que vem de fora para dentro, da sociedade que somos todos para o microcosmos da universidade. A universidade reproduz um leque de comportamentos observados no exterior. Onde quero chegar? A um dos expoentes da mediocridade que nos consome: com duas palmadinhas nas costas, tudo se resolve. Convencidos que, de uma maneira ou de outra, tudo se consegue, os mais relapsos (que, por efeito de contágio, tendem a ser cada vez mais numerosos) não tiram de si o melhor dos esforços. Sabem que uma “palavrinha” no momento certo comove o interlocutor, demove-o caso esteja renitente em arrefecer o rigor. Leva o interlocutor à piedade que é o miasma da vida grupal.
É sintomático que sejam os mais velhos a cometer a humilhação de rogar pela comiseração avaliativa do professor. São os mais velhos que já têm tarimba da vida grupal, que estão corrompidos pelos vícios enraizados. Alguns desses vícios, e dos maiores, são a fasquia nivelada por baixo, a invocação do menor denominador comum, a poupança de esforços que não cativa a excelência, o “amiguismo” que suplanta os méritos, o que depois leva à amalgama dos méritos que se perdem entre a desesperança, a prostituição mental que é pedinchar a piedade alheia para se alcançarem os objectivos. São os mais velhos que mais insistem neste desagradável costume da choradeira. Os mais novos, ainda não embebidos nos vícios da vida grupal, manifestam-se imberbes e não se lamuriam. Ficam para trás? Não. Triunfam em dignidade.
Crestado por dezassete anos de função, a maior parte das vezes reajo com indiferença à choradeira. Quando estou mal disposto, ao escutar a comovida súplica dou o seguinte troco: “não faça triste figura”.
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