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Devo ser ignorante, ou só um bocado ingénuo, para continuar sem entender a lógica dos agentes secretos e da espionagem. A história que aqui me traz é ao mesmo tempo deliciosa e tortuosa. Descobriram uma dúzia de espiões infiltrados no Reino Unido e nos Estados Unidos. A soldo da Rússia. Gente normal, pacata, com família constituída. E que andava a debitar segredos importantes para a Rússia saber.
Algures a meio de uma das notícias, esta revelação assombrosa: os serviços secretos britânicos e estado-unidenses têm a certeza que a actividade de espionagem russa é mais intensa do que no tempo da guerra fria. Logo a seguir, um alto responsável britânico sossegava toda a gente. Nem assim as relações diplomáticas vão ser prejudicadas. As relações internacionais movem-se por mistérios insondáveis. São trazidas em linguagem cifrada, para que o comum dos mortais nunca entenda se o que é dito corresponde às intenções. Entretanto, tomámos conhecimento que a bisbilhotice de Estado é prioridade das grandes potências. Alguém acredita na inocência do responsável britânico que revelou a febril espionagem russa? O Reino Unido e os Estados Unidos não têm a sua rede bem montada de espiões?
No meio da demência que é a espionagem, soube-se que uma das pessoas que foi parar aos calabouços é uma atraente mulher que respondia pelo nome Anna Chapman. Ainda nem chegou aos trinta anos e era uma bem treinada espiã. Afinal Anna Chapman não é o nome de baptismo da beldade. O primeiro nome que teve foi um nome russo, pois era filha de um importante operacional da ex-KGB. Mas só se sabe agora, que a sua vida está a ser passada a pente fino (dando de barato que não há pelo meio contra-informação – outra especialidade dos serviços de espionagem). A voluptuosa Anna Chapman enganou anos a fio toda a gente. Nos trabalhos que teve, nas amizades que fez, até o consorte que o deixou de ser. Só não terá enganado (e, na espionagem, nunca se assegura nada) os da laia a quem passava informações secretas.
Não li isto em nenhum jornal caseiro, mas retive a informação quando escutava um noticiário de uma televisão italiana: a senhora Chapman tinha uma relação amorosa com um dos gurus da economia, Nouriel Roubini. Uma pesquisa via Google confirma-o. Que sublime ironia. Roubini, que se andou a gabar de ter previsto a monstruosa crise que desde finais de 2007 nos anda a consumir a paciência, foi apanhado em contramão. Eu percebo que as hormonas, quando falam mais alto, atraiçoem a lucidez. O mago da economia que foi capaz de ser oráculo (não escutado, porém) do cataclismo económico que se abateu, foi incapaz de adivinhar que no travesseiro do lado dormia uma tenebrosa espiã a soldo da Rússia.
Não vou pelo cinismo para, com malvadez, sentenciar que Roubini mereceu o infortúnio. Ninguém gostaria que tamanha coisa lhe acontecesse. Já pensámos o que seria se, de repente, soubéssemos que a pessoa que dorme do outro lado da cama era uma desconhecida? Já parámos para pensar no efeito telúrico que a revelação teria nas nossas vidas? Até dou de barato que a ligação de Roubini à menina Chapman fosse – vou dizê-lo de mansinho – carnal (o que não é de admirar). Mesmo assim, o golpe profundo que Roubini sofreu punha-me, se acaso fosse Roubini, neste dilema: mal por mal, preferia não ter sido o oráculo da crise que persiste.
Termino como comecei – com a ingenuidade em que me debato: os serviços secretos são a pior coisa que existe. Quando uma vida subterrânea se dá a conhecer, quantas vidas normais ficam devastadas? É uma injustiça tremenda. Os segredos de alcova dos Estados (metaforicamente falando) não merecem tamanho sacrifício imposto às vidas de singelas pessoas.
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