8.7.10

Bestiário pessoal


In http://www.dcc.fc.up.pt/oni/problemas/2005/qualificacao/probA.jpg
Foi escrito por uma tal Miriam, há dias, num comentário que decidi não publicar na altura para lhe dar o destaque que o dito merece. Ou seja, em vez de o remeter para o canto anónimo dos comentários de quem por aqui passa, este comentário é tão brilhante, elucidativo e factual que preferi reservar-lhe prosa isolada. A propósito do texto sobre a latinidade que anda arredia da portugalidade, a dita Miriam sentenciou o seguinte:
O sr. é um exemplo concreto desse mesmo latino, não escapa ao tuga, critico e velho do restelo, não escapa á miserável realidade, faz parte dela e propaga a miséria e ignorância, ainda me lembro das suas miseráveis aulas, sem duvida o pior docente que já tive com os seus ditados e tiques de chauvinismo, o sr. devia dar aulas para o espelho. Ainda têm a lata de criticar os outros, os pobres portugueses, o povo, os pobrezinhos portugueses, os coitadinhos. O sr. é um pobre velho do restelo, fala para não ficar calado. Devia reformar-se poupava-nos a nós alunos outro trauma, assim como deixava de perpectuar a ignorância e o deserto de ideias que são as suas aulas, faça um favor a todos vá pra casa e dedique-se ao bloguismo, é um bom desporto para si.
Miriam
Só dou isto à estampa porque, como o Mourinho, excito-me com elogios. Pelos vistos, a Miriam foi minha aluna. É impressionante como um semestre passado a ouvir as minhas entediantes lérias caucionou um retrato tão – como dizê-lo? – fidedigno. Ó Miriam, só falha no seguinte: mal sabe dos piores podres que consigo ocultar. Fez um retrato a pecar por defeito.
A melhor maneira de nos conhecermos é quando saímos do casulo onde se esconde a nossa personalidade e somos passados em revista por lente alheia. Uns exemplos pedidos de empréstimo à prosa da Miriam: eu julgava que tartamudeava um argumentário do mais anti-nacionalista que existe. Já arrostei com essas críticas algumas vezes. Estão todos enganados (eu e aqueles críticos), pois a Miriam detectou em mim um pérfido chauvinismo. Só que logo a seguir fico com a bússola do entendimento desorientada, pois a Miriam é cáustica na lapidação por eu não me cansar de desdenhar da lusitana condição e dos seus intérpretes, os “tugas” (a palavra não é minha). Afinal em que ficamos: sou chauvinista, ou mereço apedrejamento por desdenhar da portugalidade?
É instrutivo saber que fui o pior professor de alguém no seu percurso universitário. Agora vou pegar nas críticas e esforçar-me por melhorar. Talvez a pessoal incapacidade impeça o desiderato – é o mais certo. Assim como assim, o melhor que me podia acontecer era a reforma, segundo alvitra a Miriam. Ó Miriam, como me apetecia! Com a preguiça inata, os cabelos brancos que já ganhei nestes dezassete anos de função (descanse que nenhum deles tem guarida na paciência de aturar alunos medíocres), o que mais me apetecia era a reforma. Sabe bem quando somos entendidos, por fim, por alguém que partilha as nossas angústias.
A Miriam desatou o nó de outra contradição: é que andava a interiorizar a possibilidade de parar de escrever estes textos diários que são uma pessoal higiene intelectual. Mas agora que a Miriam teve a simpatia de elogiar os meus textos neste blogue (volto a citá-la: “faça um favor a todos vá pra casa e dedique-se ao bloguismo”), vou reequacionar a intenção. Ficava incomodado se decepcionasse as pessoas que se inebriam com a qualidade literária dos meus textos. Já viu o que a humanidade perdia? Bem-haja pelo encorajamento! Quanto mais não seja, estes textos podem ensiná-la a não dar pontapés na gramática...
Aqui do posto de comando, o “velho do restelo” (sic) fica tranquilo por saber que pode contar, caso necessite, com a impecável perícia profissional das assistentes sociais.

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