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Os mesmos passos para o que se repete, sem ser superstição. A desarrumação que só pára de inquietar quando deixa de o ser, desarrumação. É a ordem das coisas – como se houvesse uma qualquer ordem cósmica construída dentro do cérebro, para ser obedecida. Ou o risco da desordenação das coisas ecoar vagamente um corpo aos trambolhões dentro de um quarto escuro, o quarto mantido às escuras na impossibilidade de acender a lâmpada. Metódico. E, todavia, doentio.
Só nos momentos introspectivos a consciência toma nota dos procedimentos que se sobrepõem à substância das coisas. É aí que a percepção se entretece no tear das ilusões. E regista a patologia. O muito tempo desgastado com a inutilidade dos processos, como se o alindamento da ordem se sobrepusesse à espessura das coisas. Das coisas que interessam. Tomando espaço – precioso espaço – nos corredores da mente. Que interessa que se lhe chame ditadura do método ou doença do método? Seja lá o que for, são as algemas do pensamento, um verdugo da acção.
A ilusão que os imperativos metódicos conferem à existência torna-a, a largo tempo, um logro de si mesma. É como se a seguir à encruzilhada, acertado o passo pelo caminho que se julga certo, um desvio convidasse a um atalho. Com promessas de oásis cintilantes, uma paisagem plácida, com aves coloridas e águas frescas e rumorosas. Os pés perdem-se nos caminhos aveludados, extasiado com os amontoados de musgo que são regaço aos fios de água que escorrem em sublimes cascatas. A floresta densa e perfumada convida à demora. O corpo, anestesiado pelo furor dos elementos, entretém-se a conferir ordem às coisas. Um galho partido por uma tempestade pretérita, três rochas a estorvar o leito do regato, um ninho de andorinha derrubado. A luz diurna em desmaio retoma a atenção para a essência das coisas. A essência metida em salmoura pelo devaneio dos detalhes que são exigência da ordenação metódica.
O atalho fora um alçapão onde os sentidos se cegaram. Não fora um caminho directo, nem sequer o esboço do pragmatismo dos que, esses sim, imprimem disciplina mental à acção. Mas era tudo uma tremenda ilusão. O convencimento de que ser metódico aprumado era o altar onde a disciplina mental se aninhara. Estava tudo errado. Tudo o que as exigências do método conseguiam era distrair o olhar para as coisas acessórias. Algumas vezes, escorregando para a futilidade dos processos que nem sequer antecâmara das coisas que importam conseguiam ser.
O mal é que os atalhos eram fáceis de entrar mas labirínticos à saída. Sedutores na paisagem bucólica que acompanha o caminho em sintonia com os declives, ora suaves ora inclinados. No vale frondoso, onde tudo parecia uma ode à harmonia, os olhos demoravam-se no êxtase das formas. Se havia perfeição, ela estava ali perto. E assim se afugentavam as horas na dolência do sentidos. Em torpor. Quase como se aquele lugar, de tão próximo da perfeição, fosse apenas um lugar sonhado.
O anoitecer jogava-se como um chamamento à terra. Que é como quem diz, do abandono do atalho para retomar as arcadas secas e frias que eram a moldura para os pragmáticos fragmentos. Dos fragmentos que, em uníssono, se teciam na melopeia consensual, o oximoro que fazia a síntese entre a veia prática da existência e o método que lhe dedilha o percurso. Imersos na escuridão implacável, os pés tropeçavam amiúde nas pedras escondidas entre os tufos de vegetação húmida. Demoravam-se no atalho que ocultava um precipício. Oxalá soubesse acantonar o método no seu espartilho e ele não deixaria de ser apenas uma coisa instrumental.
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