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Talvez tenha lido Cervantes em pequeno. Talvez esteja povoado pelo imaginário de D. Quixote de La Mancha. Patrocina as causas improváveis, as causas perdidas antes mesmo de se ir a jogo. Admita-se a admiração: não é qualquer um que dá assim o peito às balas. Não é para qualquer um estar no meio da paisagem social como se tratasse de um oásis no meio do abúlico deserto. Mas também pode dar-se o caso de o oásis só se encontrar dentro da sua cabeça.
Escolhe a dedo as causas que se albergam no bornal do activismo e nelas mergulha de cabeça como seu causídico. É tanto o empenho que toda a paixão existencial é penhorada pela causa do momento. Passa a viver em função da causa que abraça, por mais estranha que seja, outras vezes insignificante (pelo menos aos olhos dos outros). São os moinhos que indicam o rumo a tomar, os moinhos enfileirados nas cumeadas como se fossem as tochas que dão luz ao activismo do momento. Nem que esses moinhos sejam produto da sua fértil imaginação, mas invisíveis aos olhos dos demais.
Outro nutriente de admiração: é um exemplo de empenhamento quando abraça uma causa. Mas, às vezes, o empenhamento transborda a lucidez. É quando a militância é tomada por um estado febril que obscurece o entendimento. Os olhos fervem, ruborizados, no encantamento pelos fragmentos da causa abraçada. O mal é a miopia que se instala, enxertada pelo estado febril que vem com a exacerbada defesa da dama escolhida. Enreda-se numa teia de parcialidade que só os de fora conseguem notar. Em terrível descompasso: o particular universo que se tece nos interstícios da memória é desmentido em duas penadas pelos que se atravessam no seu caminho. É quando esvoaçam, como casulos que isolam a magnificência da causa, teorias conspirativas que encostam a um canto da insignificância os que se atravessam no caminho. Sem perceber que é a ausência de argumentos que o leva a fugir à discussão. É quando a causa abraçada com tanto enlevo entra na fase descendente que a encaminha ao estatuto de perdida causa.
São os outros, descomprometidos e com o distanciamento que cauciona a lucidez, que primeiro notam o irremediável estatuto de causa perdida. Ao contrário, ele persiste, cobre a causa abraçada com uma carapaça que a torna inexpugnável aos adversários que depressa se entronizam no lugar de inimigos. As coisas que pertencem à causa em vias de estar perdida ganham a pretensão de totens. Imaculados na sua pureza, imersos numa perfeição quase divina, intocáveis como as coisas que se deificam. Ele inventa a sua própria religiosidade, ornamentada pelas pétalas da causa elevada ao altar da deificação.
Outra vez um lugar à admiração: não está à altura do comum dos mortais o insistente patrocínio de causas destinadas à campa onde jazem as irrelevâncias. O que me leva, de admiração em admiração, a outra das suas fontes: é que as causas nem são produto da sua criação intelectual. Ele abraça-as depois de serem inventadas por outrem. Não é um deus criador das causas de que é diligente zelador. Não passa de um sacerdote, um entre vários, mas talvez o que a traz ao peito com mais aplicação, todavia com uma miopia que inquieta. Já é do domínio da perplexidade quando as coisas se compõem em estado tal que só importa a causa que abraça, deixando a tudo o resto o rótulo da irrelevância. É que os totens são efémeros quando não passam de ilusões congeminadas pelo engodo da mente atraiçoada.
Quem será o Sancho Pança desta reinvenção moderna de D. Quixote?
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