10.5.19

Medo de si


Sigur Rós, “Svefn-n-englar”, in https://www.youtube.com/watch?v=8L64BcCRDAE
- São estes precipícios intangíveis que arranco dentro de mim que me metem medo. Vejo sombras e nas sombras encontro a cor que não consigo desenhar no arco-íris. Vejo os vultos que noutros são fermento do medo e em mim causam admiração. Vejo a noite como fac-simile do dia, não lhes encontro as diferenças, por mais que os lugares-comuns ilustrem a antinomia, por mais que as pessoas digam que a ausência de luz marca a noite em contraste com o dia. Julgo os sobressaltos como adrenalina que preciso para emprestar sentido aos sentidos. Não sei do paradeiro do arrependimento. Dos arrependimentos. Quase sempre dou comigo em roda livre, ao sabor dos ventos dominantes, preparado para investir no sentido contrário ao dos ventos dominantes – por mais que seja empreitada dolorosa e improfícua, pelo menos quando estou na casa da partida. Não consigo ver-me em discurso direto: se há medo que tenho, é de ser uma mera paráfrase dos outros. Não me escondo em metáforas assisadas. Prefiro as palavras contundentes, por dramáticas que sejam, e depois vestir-me em minhas cicatrizes para encontrar o paradeiro da redenção. Logo a seguir, interrogo-me sobre a serventia da redenção. Vejo tudo como se tivesse sido atirado vinagre para os olhos. E, todavia, reivindico a meu favor uma clarividência insuspeita. Talvez sejam estes paradoxos o maior oceano que a geografia dos sentidos industria. Às vezes, incomoda-me; outras vezes (a maior parte delas), sento-me na poltrona e, em pose majestática, extasio-me com o efeito, como acontece com os máximos deleites. A improbabilidade do meu nome assoma à superfície enquanto bebo o vinho gourmetde um cálice esbotenado. A língua áspera: é a minha. E, contudo, aprendo com o que desaprendi no estertor que é a alavanca diametral do pavor domesticado. Se soubesse do teor dos segredos, perdiam interesse. Antecipo o ontem que deixei de ter lembrança. Resgato desse passado embaciado um sinédrio onde campeia o silêncio e a ausência. Um promontório imponente oferece-se ao olhar siderado. Não são as gentes comezinhas, em seu rame-rame diário, que assustam. Sou eu, penhor de mim mesmo, cautela dos arrependimentos adiados, vulto meão no meio da graciosidade inútil, argonauta sem paradeiro estabelecido, insubmisso – sou eu, a chave-mestra do meu próprio medo.

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