Moderat, “Bad Kingdom” (live), in https://www.youtube.com/watch?v=1BUJX9vESQY
Dizias: “follow-up. É preciso fazer um follow-up”. E eu, sitiado por um pesadelo qualquer que não sabia inventariar, convencido do meu torpor, fiz de conta que não ouvi. Já chegam as vezes em que sou peão dos idiomas e tenho a impressão de que se jogam verbos e substantivos em línguas diferentes na mesma oração.
Parecia uma montanha russa. Não exageremos: um carrossel, que a vertigem não era tanta assim. Olhava para o teto. Fixava um ponto, um parafuso saliente ou a embocadura de um alicerce. Depois fechava os olhos. Era preciso sentir a velocidade do carrossel, sentindo-a de olhos fechados. Parecia mais veloz, o carrossel. Por isso, quando abria os olhos, logo a seguir voltava a fechá-los. O vento que esbarrava no rosto rimava com os suaves declives que o carrossel ensaiava, volta após volta. Absorto, nem tomava atenção na musiqueta que acompanhava a viagem – a sobreposição de musiquetas que eram donas do lugar, vindas de outras atrações. E as frases “follow-up. É preciso fazer um follow-up” eram a paisagem que desfilava diante dos olhos ainda fechados.
A viagem do carrossel parecia interminável. E logo eu, que nunca admirei carrosséis. Não podia sair em andamento. Não era a velocidade que o impedia: o rapaz que recolhia as fichas que davam acesso ao carrossel entrava e saía com destreza, e tenho a certeza de que a minha destreza não ficava atrás – insisto: a velocidade do carrossel não intimidava. Não saí do carrossel. De repente, fui assaltado pela ideia de que o rapaz que recolhia as fichas que davam acesso ao carrossel e a senhora gorda que estava na receção do mesmo a trocar fichas por dinheiro podiam ficar desiludidos com a minha saída prematura. Não sei onde fui arranjar a ideia. Se não estivesse anestesiado por um sonho paradoxal (por não estar a dormir), a lucidez ter-me-ia sussurrado que a senhora e o rapaz não queriam saber da minha saída prematura nem iam perguntar, como acontece quando não se termina a refeição no restaurante, se não tinha gostado do carrossel.
Aquelas palavras continuavam a persistir no horizonte do pensamento: “follow-up. É preciso fazer um follow-up”. Não tinha a menor ideia do que dizias precisar de continuação. Esperava que fosse algo que valesse a pena dar continuidade. Muitas vezes, um ato extingue-se na sua consumação. Não fica à espera de repetição. A menos que o juízo seja favorável à repetição. É que, mesmo quando se repete, já é um ato diferente.
Saí do carrossel, no tempo devido. Tinha outra ficha na mão. Desaproveitei-a. Não repeti a viagem. Assim como assim, nunca percebi o encanto dos carrosséis.
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