Maribou State, “Feel Good” (at 6 Music Live Room), in https://www.youtube.com/watch?v=ru9HgT1nGTk
- Que luzes são estas, que derruem um escudo armilar à procura de lugar?
Oxalá soubesse. Foi a primeira frase murmurada. Mas que interesse tem saber que luz é aquela? Que interesse tem saber de onde irradia? Com que propósito foi congeminada para iluminar aquela área em particular? Ou: se o lugar estivesse votado à penumbra, que coisas diferentes podiam acontecer na medida da ausência da luz? A fonte de energia que alimenta aquela luz é limpa ou poluente?
(E assim sucessivamente.)
Interrogações a eito. Podiam subir no inventário das interrogações, à medida que o pensamento as fermentasse. E se as interrogações forem vazias, um lago evaporado na indiferença do que acautelam? Pode ser que seja importante investigar a função daquelas luzes. Pode ser que todas as outras hipóteses arrematadas pelas interrogações anteriores (ou por outras, não aqui listadas) reúnam a relevância que os seus julgadores determinarem. Ou pode, de forma mais modesta, dar-se por assente que a luminosidade existe, que as luzes obedecem a uma certa característica que as torna distintivas.
Não se faça uma exegese errada do enunciado: não é sugerido que as interrogações são um bálsamo da inutilidade. Não se aceite que o pensamento, insubmisso ou apenas controverso, cave sucessivas camadas, enovelando-se em hereditárias interrogações, e que toda essa atividade telúrica seja destituída de utilidade. Não é de mais evocar a sensibilidade das interrogações e de como o método inquisitivo é preferível ao desenvencilhar de respostas categóricas a todas as interrogações formuladas.
Pode o pensamento descair para a especulação. Ou, apenas, nele medrar a incorrigível provocação que recusa respostas e, em vez delas, alimenta o caudal abundante onde se soerguem interrogações, umas atrás das outras. E por cada ensaio de resposta, hasteia-se imediatamente uma interrogação que a atropela. Por dentro do pensamento sobram múltiplos eus que são os atores que sobem a palco, esgrimindo as hipóteses que se oferecem a cada interrogação no pressuposto de não acrescentarem um ponto final quando a frase se encerra. Todos esses eus são senadores do eu primacial, de onde emanam os restantes eus. São os senadores que se sentam no chão, em palco, e são tribunícios num concurso de interrogações.
A luz pode ser axial. Ou não. Não se saberá, porque o império das interrogações nega validade às repostas, aos categóricos alindados na pueril estatuária que irmana os beócios e os eruditos. Pois o senado pode apurar que a luz é, afinal, uma treva disfarçada. Nunca o fará com ponto final no remate da frase.
O ponto de interrogação é o único suserano admitido no senado.
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