Gorillaz, “Feel Good Inc.”, in https://www.youtube.com/watch?v=HyHNuVaZJ-k
Serve-se a noite no pedestal de mármore, onde as nuvens perderam fôlego e a lua veste a noite com um vestido de vulto. Tinha a certeza de que este lugar era uma eutopia. Ficava. Demorava-se, por mais que houvesse outros mandamentos a murmurarem nas funduras do pensamento, desafiando a largar âncora e visitar outros lugares – o apelo do nomadismo. Um dia, num intervalo entre duas empreitadas, deitava contas à vida enquanto se afundava preguiçosamente num banco do jardim. As sucessivas ondas que o mar bolçava, tomando conta de mais e mais centímetros do areal, pareciam a metáfora do comboio inacabado que percorre vagarosamente o apeadeiro, como se nunca mais acabasse. O que diriam as ondas? Nada. Era inútil esquadrinhar a fundo para arranjar significados escondidos para as coisas que passavam diante do olhar. Essas coisas só tinham parentesco com a complexidade porque teimava em as tornar complexas. De outro modo, se não fossem as costuras de um pensamento gongórico, nos tortuosos corredores da veia labiríntica em que se detinha, as coisas eram tingidas por uma simplicidade desarmante. Quase dava consigo no papel dos chefes de cozinha da moda que reinventam iguarias já reinventadas sabe-se lá quantas vezes, até o resultado final não ser aparentado com o produto original. Ou: também fazia lembrar aquelas pessoas com conversa prolixa, tão prolixa e encadeada que transformavam um diálogo num monólogo, começando num assunto e desviando e desviando em sucessivas camadas que correspondem a assuntos sem ligação com o anterior, até se perderem no vazio da sua conversa. A noite podia ser demorada, no encanto não sussurrado do luar iridescente, mas o sono noturno tomava conta do silêncio. Silenciando a noite e deixando ao luar o papel de testemunha de um ocaso. Podia ser que o horizonte oferecido ao olhar transumante capitalizasse o étimo desejado. Não sabia que étimo era esse – apenas que o havia. Entretanto, reduzia-se à contemplação do sorvete de tangerina. Uma representação aproximada da perfeição simplificada.
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