Idles, “Rottweiler” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=HK6rWTFRs5Q
Guardo no peito as vozes emaranhadas no leito da noite. Conjugo os verbos que se sobrepõem no almofariz da idade, as diferentes geografias abraçadas num todo sem pátria. Abençoo as não-bandeiras, as não-identidades, as despojadas lealdades que diminuem o indivíduo, ajoelhado diante de sacralizadas entidades. Guardo no peito os vestígios de lágrimas por secar, imagens de mares tumultuosos, o arrefecido ânimo que fica à espera de capitulação. Não guardo no peito as imagens de morte, de mortes.
Se por mim outros falarem, creditem-lhes as palavras: são de sua lavra, não faço tenção de entronizar um biógrafo oficial. Nem a mim encomendo a tarefa. Prefiro o cometimento de viver no afortunado mapa onde os minutos se consomem na sua beleza natural. Pode ser que guarde muitas coisas no peito: as memórias, são o candidato óbvio; mas há mais: os lugares, os fragmentos extraídos à mnemónica do tempo, as pessoas, as palavras, os arrependimentos, as lições embebidas no sargaço do tempo. E se tudo isso guardo no peito, não encontro motivos para o trazer a público olhar. Há um certo pudor, irrecusável, que exige reserva. O peito é a fortaleza que cerzi com as mãos do pensamento.
Guardo no peito tudo aquilo que nele se armazenou. Algumas coisas pela mão da vontade que domino. Outras, sem que possa domá-las, entrando por vontade própria no património que se alberga no meu peito. E, todavia, sei que o peito, se falasse, não se escondia no armário onde decorrem os prantos, a agonia, a autocomiseração rasteira. Não cuida de se ufanar desalmadamente, o peito que guarda todas as coisas confessáveis e inconfessáveis. É um meio-termo. De repente, esse mesmo peito, que sempre protestou contra as meias-tintas, o peito que não hesitava em reclamar para si um lugar de radicalismo, reconhece-se num lugar que está nos antípodas do outrora convocado. Diriam, em sentença apressada: a madurez deixa as suas cicatrizes. Deixo as palavras a quem as diz.
Guardo no peito os sonhos apalavrados. A boémia da tempestade cerebral. As mangas arregaçadas no perene ensaio de qualquer coisa, para não atraiçoar o febril pensamento. A sede de experiência, a terçar armas contra os mastins da atonia. A pele arrebatada pelo doce menear do amor, pelos sensíveis espasmos das artes, pela criação deixada em memória futura.
Guardo no peito o que o peito quer guardar. Com a caução da minha vontade e contra o império em que ela se consome. E guardo o peito, património maximalista.