10.6.25

A mão desarmada

PJ Harvey, “C’mon Billy”, in https://www.youtube.com/watch?v=pr1j3GfJuR4

Verte-se a vergonha por cima do fingimento que destoa em forma de orgulho. Não se diga “às armas”, a beligerância é o totem da impudicícia que nos consome em lume abundante. Que seja ditado o pesar sobre hinos ainda beligerantes. Diga-se antes “à mão desarmada”, a mão de que foram extintas as armas. Pois não precisamos de ser os verdugos que derramam o sangue e povoam cemitérios onde jazem com seus nomes as vítimas que não chegaram a ter nomes quando foram ter às mãos dos verdugos. 

A mão desarmada é a mão bondosa. Aquela que se estende para ser parte de outra pessoa. A mão que lança mão da cooperação, sepultando a beligerância suicidária. Para ser a mão onde se abrigam os que precisam de indulgência, ou apenas os que aproveitam o gesto singular de quem se oferece sem querer açambarcar uma recompensa como proveito. 

Diz-se a “mão desarmada” porque os tempos arquivados na memória não deixam que se use a mão sem arma. A mão que nunca deitou a mão numa arma, a que nunca foi agressora no cotejo com os outros. Se houvesse ideais, não haver armas seria um dos epílogos. Estamos dependentes de armas, porque não se consegue extinguir a festa adversa que enxameia a História com episódios de vergonha. Mas há mãos que nunca foram de armas. Serão mãos essas a tutela de um despadrão. 

Em palcos de podridão, os tempos desdobram-se em atos que servem de exemplo; evocar as memórias madrastas é o primeiro passo para a lucidez. A História serve de lente para o futuro, se a lucidez não estiver aprisionada por vultos que se insurgem contra a bondade das pessoas. 

À falta de mão sem arma – e na impossibilidade de cumprir o sonho da extinção das armas –, sobra a possibilidade da mão desarmada. A mão que se arrepende de ter tido uma arma como pele. A mão que não devolve as vidas abjuradas, ou o sangue que veio lavar campos que se tornar hediondos palcos de violência gratuita. A mão, esta mão, devia ser dada a outras indeléveis mãos consagradas no sonho da desviolência. Até que todas se tornassem arquitetas e engenheiras do que não importasse dor na carne alheia. Nem que este fosse um assalto à mão desarmada.

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