Sigur Rós, “Andavari” (live in Reykjavik), in https://www.youtube.com/watch?v=4FDULxUeMpQ
De cada vez que treme a fala, é porque os jacarandás floridos extasiam o olhar e ele cede, num frémito, ao povoar da alma com bandeiras que não envergonham a humanidade. As veias estilhaçam as sucessivas camadas de maldade destiladas por gerações que amaldiçoam os dias herdeiros. Se houvesse milhões de sílabas em saldo, escolhiam-se apenas as que integram estrofes que são o desembaraço dos tempos malditos.
Os jacarandás, dizem os compêndios, não exalam perfume. Não é preciso: o arrebatamento que o olhar sente, ao ser desafiado pela cor exótica dos jacarandás desabrochados, é um perfume frugal mas que corta a carne ao fundo. Só o conseguem as almas que desacertam a atenção ao demais para se abraçarem num regime de efémera exclusividade à parada de jacarandás que aformoseia o largo.
Esta é uma embriaguez que não seria apanhada nos detetores de álcool. No contemplação das árvores que estendem um manto copioso de pequenas pétalas arroxeadas, o tempo deixa de se entretecer, suspende-se na litania dos sentidos que se ateia numa ebulição singular. O corpo sente-se remoto e agradece a dádiva dos jacarandás na sua sazonal demanda que cobre de pétalas o largo despido de beleza no tempo que sobra. Agradece o sopitamento, sentindo-o como uma dádiva inata aos lugares extemporâneos que são refúgio do mundo desapetecido.
Até o ruído dos veículos que enxameiam o largo fica em hibernação: a coreografia de sentidos que responde ao desafio dos jacarandás floridos faz o obséquio de fingir uma surdez terapêutica. Sem a surdez fingida, a contemplação das árvores nem à metade podia ambicionar. Durante a hibernação higiénica, o sangue abranda e as veias rejubilam com os anos de vida que recebem em crédito.
Por isso é que o vívido florir dos jacarandás é efémero e volta a ser efémero quando depois se renova.
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