13.6.25

Deem-me música (sem ser com a conotação pejorativa dos cânones instituídos)

Tindersticks, “Always a Stranger”, in https://www.youtube.com/watch?v=k5Cn17azjaA

Os nimbos acumulam-se e o céu desce depressa, pesando sobre as costas. O ar, irrespirável, entranha-se como doenças insuspeitas de recomendação. As vacinas ainda não foram inventadas para travar o contágio dos que começaram a perder as rédeas da lucidez. Não tarda nada, os nós de uma tempestade medonha vão-se desatar e uma leva de coisas execráveis insinuar-se-á nos poros, no sangue, no ar que expelimos depois de o inspirarmos cada vez mais poluído. O palco decadente deixou de ser um lugar seguro para estar. 

A latrina tornou-se no areópago onde os contrários se agridem com deleite. As coisas sofismadas montam-se no pedestal onde gravitam verdades irrefutáveis, certezas à prova de contestação e a castração intelectual dos que desalinharem. Das barricadas opostas emergem vultos seráficos preparados para o sacrifício. Estão prontos a oferecer a sua vida em nome de causas e de quem as agita, como um batalhão atirado para a frente de batalha e eles como vítimas sacrificiais a quem é prometida a redenção póstuma. As vidas assim terçadas são insignificantes, inconsequentes, reduzidas a zero. A alucinação adestrada torna as vidas irrisórias, com o consentimento dos próprios. 

A deriva para a alucinação que se contamina com o passar dos dias faz com que este lugar não seja recomendável. A válvula de escape é o exílio voluntário, um exílio interior que legitima a arte do fingimento. Fingir deixa de ser pejorativo. O fingimento é o lugar bucólico que admite a suspensão do tempo e da circunstância que afeiam este lugar. 

O fingimento tem muitas materializações. A música é uma delas. Torna-se a caução lisérgica dos que se refugiam, decretando a sua condição pária por oposição à decadência maçadora do lugar. Haja quem dê música constante para o pensamento se devolver a uma pureza impossível no atual estado de coisas. A música como lugar de hibernação que cura as feridas abertas pela exposição demorada à realidade limítrofe. 

Deem-me música, para fugir deste lugar e desta gesta irremediável.

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