6.6.25

Não há cláusulas de rescisão para os professores universitários

Pulp, “Spike Island” (live at Later with Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=3BygudvVijU

O futebol é pródigo em negócios milionários: as equipas protegem-se financeiramente contra a contratação das suas “joias da coroa”, adicionando cláusulas de rescisão aos contratos dos atletas. Para completar a blindagem, os contratos são de longa duração. Uma equipa milionária que queira contratar um atleta promissor tem de abrir os cordões à bolsa, pagando a cláusula de rescisão, ou chegando a acordo por um valor inferior após duras negociações. É uma forma de democratizar as finanças dos clubes que participam nas competições nacionais e internacionais. E um meio de mitigar o desequilíbrio desportivo entre os mais fortes e os menos fortes, impedindo a sangria de atletas prodigiosos dos segundos para os primeiros. Foi, ao mesmo tempo, um método para tornar o negócio do futebol milionário.

No sector do ensino universitário nada disto existe. O panorama contratual não obedece à mesma escala de mobilidade. Os professores universitários não estão blindados por cláusulas de rescisão. As instituições de ensino sabem que a mobilidade de docentes entre universidades é insignificante e obedece a outra lógica contratual, que ora passa por concursos públicos competitivos, ora passa pela contratação direta no caso de professores convidados ou do corpo docente de universidades privadas. As instituições de ensino também sabem que a procura e a oferta é rígida: o número de praticantes de futebol é muito maior do que o número de professores universitários, pese embora serem uma elite os que, entre os primeiros, têm contratos protegidos por cláusulas de rescisão.

As diferenças são significativas, apesar de os contextos diferentes entre o futebol e o ensino universitário explicarem essas diferenças. Todavia, não é mal lembrado cotejar os dois intervenientes destes mercados: um atleta que se distingue a pontapear a bola é principescamente remunerado, enquanto um professor universitário é mal pago. Se se aceitar que os mercados têm características e dinâmicas que obedecem às preferências das respetivas procuras, as diferenças abismais ficam explicadas à partida. É lugar-comum que o futebol move multidões, os afetos e paixões são irracionais e a sedução das multidões traz consigo a atração de múltiplos patrocinadores que enchem os cofres dos clubes com montantes milionários. O ensino universitário está a léguas deste contexto. Vive de orçamentos apertados. As universidades públicas dependem do erário também público, que não tem sido generoso nas transferências para as instituições de ensino. As universidades privadas vivem das propinas cobradas aos estudantes. Umas e outras podem ainda depender de mecenas, mas essas é uma receita não assídua e que depende do acaso. 

Qualquer cidadão, até o menos informado sobre o futebol, sabe os nomes dos principais atletas. A visibilidade pública dos professores universitários está muito aquém. Os seus nomes são conhecidos apenas no meio, entre os pares e os estudantes (quando estes sabem os nomes dos professores e não os tratam como “o professor de Introdução à Economia”). Tirando algumas honrosas exceções, seja porque a sua intervenção científica teve efeitos sociais, seja por causa do assíduo comentário nas televisões, os professores universitários são tão anónimos como qualquer outra pessoa. Se o mundo é comandado pela lógica dos números e pelas verbas que mobiliza, eis porque os professores universitários têm modestos estipêndios e os seus contratos não contêm cláusulas de rescisão.

As universidades estão numa posição contratual de privilégio, pois a oferta (de candidatos a professores) é muito superior à procura (de cargos para professores do quadro), sobretudo a partir do momento em que os doutoramentos se banalizaram. No futebol, a dinâmica é inversa: os atletas que se distinguem estão numa posição contratual privilegiada, o que explica a necessidade de os clubes que os contrataram blindarem os contratos com milionárias e dissuasoras cláusulas de rescisão.  

Está em falta apurar, com critérios rigorosos e objetivos, a comparação do valor social de um atleta que ganha a vida a pontapear a bola (e, não poucas vezes, os adversários e a gramática) e um professor que contribui para a formação da sociedade. Talvez a comparação destes dois mercados seja o exemplo acabado de uma falha do mercado, ou de uma distorção motivada pelo enviesar das perceções dos intervenientes nestes mercados. Se a assimetria não fosse tão pronunciada, e o valor social dos professores universitários fosse reconhecido, eles seriam remunerados em função do seu (então reconhecido) valor social. E, eventualmente, os seus contratos passariam a contemplar cláusulas de rescisão, tornando o mercado de trabalho mais flexível e dinâmico, com mais entradas e saídas no corpo docente das universidades. É que – mal não pareça a comparação – o burro anda melhor se for atrás da cenoura.

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