24.6.25

O tiro e a culatra

Broken Social Scene, “Sweetest Kill”, in https://www.youtube.com/watch?v=2g77t_CnYM8

Assim como as calças com bolsos rotos, um tiro devolvido pela culatra. Diga-se, em abono da compreensão, que alguém terá sabotado a culatra para o tiro sair pelo lado contrário do esperado. Já os bolsos rotos das calças explicam-se pelo seu estado puído. 

Muitas vezes somos as vítimas autoinfligidas de tiros que saem pela culatra: quando as palavras se amotinam contra quem as profere; quando vamos à frente do tempo e ele conspira contra a nossa audácia; quando fugimos do medo, mas não somos capazes de fugir das suas garras; quando julgamos ter posto toda a diligência para evitar um acontecimento, mas ele ganha vontade própria e tem lugar sob o nosso olhar de impotência; e, em geral, quando somos responsáveis pelos atos que não tiveram as consequências esperadas, e essas são inesperadamente dolorosas. 

Em vez de balas, devíamos usar pólvora seca. Não nos garante um efeito tonitruante, mas deixa-nos a salvo da carnificina a que estão expostos os corpos quando são trespassados por balas furtivas. Porque é de furtivas balas que se fala quando elas se viram do avesso e se projetam contra quem as dispara. Em vez de balas, pólvora seca – já que não se ousa peticionar pela extinção dos revólveres. 

Ou então, são as metáforas, o seu efeito devastador, que conspiram contra a indulgência que circula pelas veias. Os fortes ensebam as comendas que os distinguem e exercem a força que ostentam. Só não podem estimar a vingança dos fracos. Não sabem se ficaram dizimados, ou se escondem uma reserva de forças e um exército de vitimas sacrificiais para espalharem o caos que interrompe a glória extemporânea dos fortes. 

Estes podem estar ufanos com o poder da artilharia, um espelho da força que exercem sobre os demais. Mas não conseguem prever se, no final das contas, a culatra estava bloqueada e o tiro saiu do avesso.

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