12.3.14

As dívidas não se pagam? (Um contra manifesto)

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Ilustres cidadãos, de heterogénea filiação de ideias, reuniram vontades e assinaram um manifesto que pede a renegociação da dívida que devemos. Renegociar a dívida pode significar coisas diferentes. Pode ser uma opção radical e deixamos de pagar o que devemos. Pode passar por um perdão parcial. Ou por um prazo mais alargado para liquidar a dívida. Ou, ainda, pedir aos credores que aceitem receber menos juros pelo crédito que nos concederam. Também pode significar uma moratória, o que não pinta boa solução, pois apenas adia um problema que existe agora.
Os notáveis (admire-se a carga de autoridade intelectual, uma certa gravitas que vem de braço dado com o rótulo) exigem que a Alemanha aceite rever a dívida que nos asfixia. Se não, pode acontecer que a renunciemos. Os credores só têm a ganhar em fazer a vontade ao devedor que tropeça em tantas dificuldades para pagar o que deve. Invocam, os notáveis, a história. De onde resgatam o perdão da dívida externa da Alemanha após a segunda guerra mundial. É pobre o exemplo. Pobre e desfasado do contexto. Porque a Alemanha, é verdade, tinha sido derrotada naquela guerra e talvez se pusesse a jeito das humilhações que pesam sobre os derrotados. Não foi o que aconteceu. Os vencedores, também credores da recuperação económica da Alemanha, tiveram a grandeza de perceber o cataclismo que a guerra tinha sido para os alemães. Quiseram dar uma segunda oportunidade. Perdoaram parte da dívida e baixaram os juros da outra parte. Comparar a aflição que passamos com o sobre-endividamento e a situação vivida pela Alemanha é ignorar a história, comparar o que não é comparável, e uma ilação que prima pelo mau gosto.
Atravessamos grandes dificuldades. Os notáveis argumentam que manter as responsabilidades da dívida prolonga uma austeridade sem sentido. Ao fazê-lo, passam a esponja pelos erros cometidos lá atrás, alijam as responsabilidades que não são dos credores. E enviam uma mensagem que levanta perplexidade: não podemos assumir as responsabilidades que vêm do passado; portanto, ou os credores renegoceiam a dívida, ou que tratem de esquecer os créditos sobre nós, que são incobráveis. Como se esta terra não fosse viciada em dívida e, em esquecendo unilateralmente a dívida que deve, jamais precisasse de se endividar. É um erro de diagnóstico dos notáveis. Não fazem pior mal à capacidade futura de endividamento junto dos credores externos. Parece que desconhecem a terra que é sua.
Ao proporem rever a dívida que se deve, os notáveis já estão a assustar os credores. Uns ingénuos garantem que os credores têm mais a perder do que nós, devedores, se os forçarmos a perdoar dívida. Assustados, hão de ceder perante a nossa vontade. Os notáveis ignoram que os credores não apreciam perder o dinheiro que nos emprestaram. Mas quem mais fica a perder somos nós, que tão cedo não voltamos a ver a cor do crédito de que precisamos. Fica a exemplar lição que os notáveis oferecem a quem os segue incondicionalmente: endividem-se, choraminguem e verão que não pagam tudo o que devem. Assim como assim, a culpa de estarmos endividados é – ao que parece – dos credores.

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