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Ilustres
cidadãos, de heterogénea filiação de ideias, reuniram vontades e assinaram um manifesto
que pede a renegociação da dívida que devemos. Renegociar a dívida pode
significar coisas diferentes. Pode ser uma opção radical e deixamos de pagar o
que devemos. Pode passar por um perdão parcial. Ou por um prazo mais alargado para
liquidar a dívida. Ou, ainda, pedir aos credores que aceitem receber menos
juros pelo crédito que nos concederam. Também pode significar uma moratória, o
que não pinta boa solução, pois apenas adia um problema que existe agora.
Os
notáveis (admire-se a carga de autoridade intelectual, uma certa gravitas que
vem de braço dado com o rótulo) exigem que a Alemanha aceite rever a dívida que
nos asfixia. Se não, pode acontecer que a renunciemos. Os credores só têm a
ganhar em fazer a vontade ao devedor que tropeça em tantas dificuldades para
pagar o que deve. Invocam, os notáveis, a história. De onde resgatam o perdão
da dívida externa da Alemanha após a segunda guerra mundial. É pobre o exemplo.
Pobre e desfasado do contexto. Porque a Alemanha, é verdade, tinha sido
derrotada naquela guerra e talvez se pusesse a jeito das humilhações que pesam
sobre os derrotados. Não foi o que aconteceu. Os vencedores, também credores da
recuperação económica da Alemanha, tiveram a grandeza de perceber o cataclismo
que a guerra tinha sido para os alemães. Quiseram dar uma segunda oportunidade.
Perdoaram parte da dívida e baixaram os juros da outra parte. Comparar a
aflição que passamos com o sobre-endividamento e a situação vivida pela
Alemanha é ignorar a história, comparar o que não é comparável, e uma ilação
que prima pelo mau gosto.
Atravessamos
grandes dificuldades. Os notáveis argumentam que manter as responsabilidades da
dívida prolonga uma austeridade sem sentido. Ao fazê-lo, passam a esponja pelos
erros cometidos lá atrás, alijam as responsabilidades que não são dos credores.
E enviam uma mensagem que levanta perplexidade: não podemos assumir as
responsabilidades que vêm do passado; portanto, ou os credores renegoceiam a
dívida, ou que tratem de esquecer os créditos sobre nós, que são incobráveis.
Como se esta terra não fosse viciada em dívida e, em esquecendo unilateralmente
a dívida que deve, jamais precisasse de se endividar. É um erro de diagnóstico
dos notáveis. Não fazem pior mal à capacidade futura de endividamento junto dos
credores externos. Parece que desconhecem a terra que é sua.
Ao
proporem rever a dívida que se deve, os notáveis já estão a assustar os
credores. Uns ingénuos garantem que os credores têm mais a perder do que nós,
devedores, se os forçarmos a perdoar dívida. Assustados, hão de ceder perante a
nossa vontade. Os notáveis ignoram que os credores não apreciam perder o
dinheiro que nos emprestaram. Mas quem mais fica a perder somos nós, que tão
cedo não voltamos a ver a cor do crédito de que precisamos. Fica a exemplar
lição que os notáveis oferecem a quem os segue incondicionalmente:
endividem-se, choraminguem e verão que não pagam tudo o que devem. Assim como
assim, a culpa de estarmos endividados é – ao que parece – dos credores.
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