18.3.14

Alma, que não te rendes

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Não, não é valentia. Ou sequer demência, dizendo os outros que a empreitada está fadada ao malogro. Não é essência da têmpera, que o tempero da alma não carece de adjetivos pomposos nem de mapas descoloridos. Torpes, uns quantos, salivam matéria pútrida. Não interessa. Mas afinal interessa: é assobiar para o alto e dedicar às urdiduras a gélida indiferença.
É a alma que não se rende. Nem sequer aos silogismos da estratégia, dos que calculam os reptos, estimam o pulso dos ventos que sopram e decidem parar agora, se preciso for recuar duas posições e só avançar depois. Esses calculismos não pertencem à matéria genética da alma sem capitulações. Arranjam apoquentações. Era melhor não as arranjar. O corpo não tergiversa quando os sobressaltos que não domina arremetem com a sua fúria. Depois dói-se, o corpo. Mas a alma não se rende. Não se resigna, nem faz de conta que não é ultrajada, mas não afocinha na lama de quem ultraja. Não se rende, porque assume a indiferença.
As vozes que perderam açaime berram, tresloucadas, como guitarras distorcidas dedilhadas com furiosa acidez. Os olhares que reprovam, como se lhes fosse dado serem juízos do comportamento outro, dirigem censura eloquente. Acreditam que o olhar incisivo esmaga os diletos filhos da transgressão. É como se esquadrinhassem a parede de uma barragem em demanda de pequenas fissuras, só para esgravatarem por entre as fissuras e derrubarem a presa. Mas as entranhas do paredão estão sólidas, não há fissuras sequer milimétricas. Pois a alma que se não rende aprendeu a tecer sólido ancoradouro à prova de bala – de qualquer bala. A alma que não se rende tornou-se invulnerável, uma muralha férrea que não se enferruja. Aprendeu a ser humilde, na recusa das tresloucadas andanças que não sopesam os contratempos que o porvir monta nas costas distraídas dos desapossados da lucidez.
É a frugalidade do tempo que se cristaliza docemente. Calejada, a alma perdeu as ilusões destravadas que alimentam um módico de loucura juvenil. Calejada, temperou-se em sua frugal indiferença. Agora padece de um saudável ensimesmar. Ganhou tempo com o tempo que foi ido. Tornou-se mantimento de si mesma. E agora não se rende nem resvala para a extravagância tumular da teimosia. Dir-se-ia que nunca viu tão nítido.

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