6.3.14

Druida sem poção

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Precoce, a criança pegou em livros de Astérix. Fascinou-se com a personagem do druida. As fartas barbas brancas em cima do ancião emprestavam-lhe o respeito devido pelos mais novos (que eram todos os outros) e uma sageza indiscutível. Guardava os segredos das ervas e das substâncias que serviam para uma alquimia que depositava nos aldeões uma força huna.
A poção mágica era o segredo para derrotar os invasores. Os aldeões nunca foram invadidos graças à poção do druida. Ainda houve uns invasores que perceberam a tática necessária: sequestrar o druida, pois o druida nunca revelou o segredo a ninguém e recusava-se a armazenar uns lotes de poção mágica que precavesse a sua falta. Mas o druida, ancião porém, não era trôpego. Guardava na algibeira umas gotas, as suficientes gotas, para tragar em caso de ameaça pessoal. O mais sagaz de todos, o druida sabia que não podia desguarnecer a aldeia. Embora desapossado das coisas terrenas, o druida era o supremo guardião da aldeia. Tinha muitas responsabilidades. O chefe da aldeia, o chefe apenas político, já o tentara convencer a partilhar o segredo da poção. Desconfiado da natureza humana, e desconfiando que os detentores do segredo podiam usar a poção em proveito próprio, nunca anuiu. O chefe da aldeia invocava a anciã condição do druida, insinuando que era curta a vida de sobra. Só assim o druida descompunha o seu imperturbável estar, vociferando ao chefe da aldeia se o queria ver morto antes do tempo.
(À boca pequena, os aldeões especulavam sobre a idade do druida. Ninguém era capaz de tirar a medida certa. Apenas sabiam que era uma vetusta personagem. À boca pequena, alguns atiravam para o ar que o druida já levava mais de trezentos anos de vida. E que seria imortal. Sem que nunca lhes ocorresse prestar homenagem a preceito a quem é imortal, como acontece às divindades. Não lhes passou pela cabeça que o druida seria uma divindade disfarçada.)
Certo dia, o druida adoeceu. Esqueceu-se da sua memória. Tudo se evaporou do conhecimento. Nem sequer sabia quem era. O druida deixou de o ser. Já não havia poção mágica. Em dois atos, a pequena aldeia sucumbiu aos invasores. O druida, afinal, não era uma divindade nem tinha para cima de trezentos anos. Os aldeões eram mais sábios do que se supunha. E a criança aprendeu uma lição.

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