24.3.14

O paradoxo consequente

In http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/6/61/Flying_upside_down.jpg
A primavera envergonhou-se nos seus neófitos dias. Depois de uma primavera a destempo na senescência do inverno, pressagiando a primavera que não tardava, mal a primavera depôs o inverno logo aterrou a chuva e voltamos aos agasalhos da invernia, tamanho o frio que se pôs.
Ocorreu pensar sobre os paradoxos, os que julgamos que os são e aqueles que aparecem embotados por uma capa também ela paradoxal. Há paradoxos que de o serem assim tidos são um paradoxo paradoxal. Ou um paradoxo que se desmente através de mais cuidada observação. Ouvi pessoas a protestar contra a primavera que se envergonhou. A dizerem que não faz sentido, agora que veio a promissora estação e ela logo cuidou de testemunhar um tempo que é condição habitual do inverno. Admita-se que as pessoas estão extenuadas de um inverno como não acontecia há trinta e cinco anos (segundo os meteorologistas), de tão rigoroso que foi. É a condição atenuante para a desilusão com a primavera que ainda nem sequer é infante.
As duas estações do meio, aquelas que suavizam as estações excessivas, sempre possuíram ingredientes de cada uma das estações a que vêm abraçadas. Calor no outono e frio e chuva na primavera são o selo de alguma normalidade. O que é normal não pode ser um paradoxo. A primavera não é o contraste com o inverno deposto. Ele continua-se a insinuar em certos dias, que de primaveris só têm a data que vem no calendário. As mesmas pessoas que protestam contra uma primavera que não soube demitir de vez o inverno esquecem-se que o verão se infiltra, como se fosse um agente duplo, nas entranhas do outono. Poucos se apoquentam com o calor datado que se mete pelo outubro adentro; quase todos fazem loas ao mítico “verão de S. Martinho”, que admite temperaturas quase estivais nos contrafortes de novembro. Um paradoxo desta laia exige coerência de observação.
Se chuva e frio na primavera são um paradoxo, é porque são um paradoxo consequente. Ou um paradoxo que se desfaz à mais fria análise das coisas.

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