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1. Nasceu numa terra que não toma como
sua. Dele dizem ser patrício daquela terra. Discorda. Jura que somos de onde
nos apetece. Não estamos agrilhoados à terra onde nascemos, ou à terra onde
tanto tempo vivemos. Os pés não se enraízam no solo que se diz filial. Não há
pertença alguma assim ancorada. Os esteios não são da ordem física. Pertencem às
emoções. Podemos pertencer a um lugar que nunca foi visitação.
2. A rapariga queria o namorado só para
si. A monogamia era jogo dos dois. Dele não desconfiava (ou era o amor que
embaciava a lucidez). Não punha as mãos no fogo pelas outras, doidivanas, que eram
desassossego do sono. Podiam querer um pedaço do namorado. Para que o sono não
continuasse locupletado por assombrações em forma de pesadelo, convenceu o
namorado a anilhar-se no dedo direito. “É
uma aliança de comprometido”. Ele anuiu. E ela sossegou-se. Era como as
tatuagens a ferro em fogo no gado. Identificando um pertença. As raparigas
outras já não o podiam acossar. A rapariga não desconfiava que a modernidade se
regia por cânones que ela desconhecia. Há raparigas outras que cobiçam o
alheio. A aliança de noivado era o apetite que ela queria evitar.
3. O rapaz nascera de pais católicos.
Fora batizado. Fizera parte do percurso que as crianças fazem na educação
católica. Quando cresceu e começou a pensar pela sua cabeça, renunciou aos
dogmas e não conseguiu reconhecer deus em si. Diziam que era católica a sua
pertença. A linhagem que vinha do tempo pretérito era disso sinal. Discordava,
às vezes com veemência. Não entendia que escolhas dos outros o pudessem
comprometer. Tornou-se amante das liberdades à custa da aferrolhada pertença
religiosa. A fé não se herda – gritava no apogeu de discussões com quem lhe
queria impor uma identidade de que se desidentificara.
4. O grupo cultivava cerimoniais
próprios de seitas secretas. Os rituais exigiam linguagem codificada e traje a
preceito. Partilhavam ideias e interesses. Fortificaram a coesão, fechando-se
ao exterior e desconfiando do que estava fora das suas ameias. Ela começou a
achar tudo patético: os cerimoniais e ritos, a linguagem cifrada, a inestética
da indumentária, a desconfiança paranoica. Apostrofou a sua dissidência.
Procuraram demovê-la. Invocaram o interesse do conjunto, que devia superar um
qualquer interesse individual que viesse em contramão. Fizeram ameaças. Não se
deixou intimidar. Aquela pertença forçada deixara de ser sua identidade. Fugiu
para cidade longínqua, sem pré-aviso. Para se libertar das amarras da pertença
forçada a que os confrades a queriam submeter.
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