4.3.14

Roleta russa

Massive Attack, "Paradise Circus"
Pulsão suicidária? Não – ripostavam os jogadores compulsivos. Apenas instinto de sobrevivência. No fio da navalha, com o abismo por perto, o abismo como sábio conselheiro.
Prevaricavam a toda a hora, no juízo dos loquazes benzedores da prudência. Os jogadores compulsivos contrapunham que não se adestravam na canhestra convivência com a rotina. O tempo todo igual, em temerário desfile de indiferença, era uma doença terminal. Podiam muitos persistir por anos a fio nesta existência sem sal. Eles, os jogadores temerários, preferiam o cheiro a pólvora a destilar de cada noite em que conseguiam sair triunfantes. A alvorada era um fartote de incógnitas, a maior das quais se os travesseiros voltavam a tê-los como companhia.
O sobressalto constante era sua marca de água. Era do abismo que gostavam de se sentir próximos. Constantemente afogueados, em palpitações que devolviam a adrenalina ao tempo para o tempo não se sitiar num flácido aborrecimento. As apostas eram de parada alta. Não sabiam fazer as coisas se não fossem feitas com toda a grandeza, que era a maior homenagem que achavam prestar à existência titubeante que levavam. As mãos não tremiam na hora de assinar a aposta, mesmo que dessa assinatura pudesse sobrar a bala mortífera se a fortuna os abandonasse. Nem se importunavam em jogar um jogo demencial: o de serem, porventura, seus próprios algozes.
Alguns não venceram a bala solitária que se tornou, por fatal adversidade, bala de azar. Os outros, que resistiam à indolência entediante, não capitulavam. Continuavam dependentes do jogo. Negociavam, faziam bluff, davam três passos atrás enquanto outros avançavam com os dois pés, julgando que a jogada os deixava à frente no tabuleiro em que se congeminavam as jogadas. Fintavam as balas solitárias que metiam nos revólveres. Os de fora, que contracenavam enquanto audiência, desvalorizavam as façanhas, não tomavam aquela forma de vida como sinal de audácia. Diziam sempre, em invejoso desdém, que a pistola tinha a culatra com cinco lugares vazios de bala.
Os jogadores abespinhavam-se. Ao convite para se juntarem à roleta russa, respondiam os da audiência com instintivo medo – e nem respondiam sequer. Era o que separava os bravos, tresloucados cultores da roleta russa dos que transpiravam inveja por não o conseguirem ser.

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