Massive Attack, "Paradise Circus"
Pulsão suicidária? Não – ripostavam os
jogadores compulsivos. Apenas instinto de sobrevivência. No fio da navalha, com
o abismo por perto, o abismo como sábio conselheiro.
Prevaricavam a toda a hora, no juízo dos
loquazes benzedores da prudência. Os jogadores compulsivos contrapunham que não
se adestravam na canhestra convivência com a rotina. O tempo todo igual, em
temerário desfile de indiferença, era uma doença terminal. Podiam muitos
persistir por anos a fio nesta existência sem sal. Eles, os jogadores
temerários, preferiam o cheiro a pólvora a destilar de cada noite em que
conseguiam sair triunfantes. A alvorada era um fartote de incógnitas, a maior
das quais se os travesseiros voltavam a tê-los como companhia.
O sobressalto constante era sua marca de
água. Era do abismo que gostavam de se sentir próximos. Constantemente
afogueados, em palpitações que devolviam a adrenalina ao tempo para o tempo não
se sitiar num flácido aborrecimento. As apostas eram de parada alta. Não sabiam
fazer as coisas se não fossem feitas com toda a grandeza, que era a maior
homenagem que achavam prestar à existência titubeante que levavam. As mãos não tremiam
na hora de assinar a aposta, mesmo que dessa assinatura pudesse sobrar a bala
mortífera se a fortuna os abandonasse. Nem se importunavam em jogar um jogo demencial:
o de serem, porventura, seus próprios algozes.
Alguns não venceram a bala solitária que
se tornou, por fatal adversidade, bala de azar. Os outros, que resistiam à
indolência entediante, não capitulavam. Continuavam dependentes do jogo.
Negociavam, faziam bluff, davam três
passos atrás enquanto outros avançavam com os dois pés, julgando que a jogada
os deixava à frente no tabuleiro em que se congeminavam as jogadas. Fintavam as
balas solitárias que metiam nos revólveres. Os de fora, que contracenavam
enquanto audiência, desvalorizavam as façanhas, não tomavam aquela forma de
vida como sinal de audácia. Diziam sempre, em invejoso desdém, que a pistola
tinha a culatra com cinco lugares vazios de bala.
Os jogadores abespinhavam-se. Ao convite
para se juntarem à roleta russa, respondiam os da audiência com instintivo medo
– e nem respondiam sequer. Era o que separava os bravos, tresloucados cultores
da roleta russa dos que transpiravam inveja por não o conseguirem ser.
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