20.3.14

Mão mole

In Público, 19.03.14
Os radicais de extrema-esquerda e os efabuladores de conspirativas teorias devem prestar atenção à fotografia que vinha na capa do Público de ontem. A chanceler e um primeiro-ministro dão um aperto de mão. Selaram um acordo. Emolduram, para memória futura, o acordo com uma fotografia significativa. Devem notar, os radicais de extrema-esquerda e os efabuladores de conspirativas teorias, nas mãos que se apertam. Se preciso for, soprem a poeira da lupa e esquadrinhem a fotografia. Nela vê-se a mão amolecida da todo-poderosa da Europa e a mão firme, que abocanha a feminina mão germânica, do primeiro-ministro.
Afinal, a mão de ferro exercida pela funesta Alemanha é um mito. Afinal, é um país latino, periférico e pouco recomendável, dependente da generosidade dos outros, que entrega a mão atlética em asfixiante aperto de mão. Os saudosistas do passado prenhe de glórias pátrias deviam pedir a uma litografia que imprimisse esta fotografia em tamanho gigante, para depois a encastrarem numa moldura de generosas dimensões. Ao contrário do afirmado com imperatividade pelos radicais de esquerda e pelos efabuladores de conspirativas teorias, o primeiro-ministro não foi de abalada até à Alemanha para prestar tributo à toda poderosa da Europa, nem apenas para as respeitosas genuflexões dos que se acham dependentes de alguém. Nem foi pedir conselhos. A todo-poderosa chanceler concorda com qualquer decisão tomada pelo governo de cá (sobre a saída, limpa ou protegida, da custódia da troika).
Aquele primeiro-ministro é que tem força. A mão da chanceler, a mão mole, não tem pulso para esta Europa, nem para um Portugal apequenado, periférico e irrelevante. Quem assim amolece não tem têmpera para mandar. É timorato. A chanceler deu àquele primeiro-ministro uma mão fraquejada. Este encheu-se de brios ao notar que podia tomar conta da mão germânica. Do resto, cuidou a circunstância e o retrato que dela se fez. Uma chanceler pouco sorridente, talvez por sentir que aquele primeiro-ministro usava a mão que apertava a sua como se uma forquilha fosse. E o dito primeiro-ministro em pose triunfal depois de saber que tinha carta branca, ufano na vitória sobre os radicais esquerdistas e os efabuladores de conspirativas teorias que tanto o apoucam. Tão ufano que quase esquartejava a mão da senhora.
Assim como assim, as fábulas contam que nós, impenitentes grunhos do sul da Europa, somos pouco propensos ao cavalheirismo. Não se aperta a mão de uma senhora como quem, embebido em ódio, quer apertar a jugular do arqui-inimigo.

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