25.3.14

Os campos de flores

In http://www.novidadediaria.com.br/wp-content/gallery/imagens-de-flores-do-campo/imagens-de-flores-do-campo-9.jpg
- Podemos falar de flores sem usar o belo (ou palavras que dele derivam)?
- Podemos. Apalavramos as meadas e deixamos travão nas que não queremos.
- Sabes? Eu acho que todas as pessoas têm o seu campo de flores. Flores diferentes, em número diferente, com odores que traduzem a têmpera diferente. Flores como expressão da diferença que nos enriquece. As pessoas regressam sempre ao seu campo de flores. Gostam de as apreciar, campestres e singelas, ou as que ornamentam bouquets requintados.
- E porque dizes isso?
- É o nosso elemento terrestre. Ninguém se atreve a demorar em áridos lugares. Tanta aridez cativa a necessidade das flores.
- Mas pode ser apenas uma coincidência. Ou podem as pessoas que resgatam seus campos de flores fazê-lo por espontânea ordenança.
- Admite: há quem procure exílio num prado vicejante. Quem os procure até em dias tristonhos, com a resplandecência do sol locupletada pelas pesadas nuvens de chumbo. É como se estivessem a regressar às origens.
- Nem tudo procede das flores...
- ...Enganas-te. Até os pescadores se inebriam quando um punhado de flores convoca a atenção de uns olhos adestrados pela monotonia do mar sempre igual. Até os mais boçais não ficam a elas indiferentes.
- E o que fazem as pessoas em seus campos de flores?
- Bebem o perfume, extasiam-se com a quimera de cores que irradia das flores espalhadas pelo campo. Tiram fotografias visuais e resguardam as festivas flores num canto da memória. Mesmo a jeito de serem caução que resgata o corpo de um sobressalto imprevisto.
- Continuamos sem falar de beleza.
- Não é preciso. É inata quando orquestramos as palavras que adelgaçam a feitura das flores diante dos olhos.
- Gostavas de ter flores quotidianas?
- Não!
- Não te entendo.
- As flores não podem ser para todos os dias. Perderiam serventia. Seria banalizá-las. Elas não merecem a desfeita. Nem nós, pois apoucá-las na rotina será retirar o ouro que assenta em nosso regaço.
- Só servem as flores ocasionais.
- Ocasionais. Ou o retiro das arrelias da cidade. Um exílio que se impõe quando as arrelias desarmonizam. Por essa altura, convém inundar a casa com flores. Deitá-las numa aleatória configuração, espalhadas pela casa fora, sem critério. Até que, à noite, o leito em que repousamos seja uma cama de flores.
- Como se a cama de flores fosse sucedâneo do matricial campo de flores.
- Isso.

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