21.11.14

Os outros (II)


Massive Attack, "Paradise Circus", in https://www.youtube.com/watch?v=6F9pydomWOE
“O paraíso são os outros”, Valter Hugo Mãe
Ou o oposto (do texto anterior): podem os outros ser o paraíso e, por eles, desaguarmos na decadência ao darmos conta das nossas limitações? Não vale a pena ir pela puerilidade do Hugo Mãe (nem sequer valeria a pena ir pelos escritos do Mãe, mas isso fica para outras núpcias). Só uma historieta banal, em jeito de conto de fadas narrado aos petizes que se julga estarem no ponto zero do conhecimento, podia afivelar a lição de que somos nada se não reconhecermos que em tudo dependemos dos outros. É pena: que o lirismo dos encantadores de crianças esbarre no farol do tempo, quando o tempo certifica a idade adulta e os petizes deixaram de o ser e seguem pelos antípodas do bom rapaz (e da boa rapariga).
Mas é nos outros que podemos ver a bitola que queremos adotar. É um ato de humildade. Uma abnegação do ser que exige – ao contrário do que possa parecer – muita autoestima. E uma dose elevada de probidade mental, pois na voragem do tempo moderno, em que o ensimesmar é fatal e o narcisismo medida que sobreleva o tamanho das gentes, a tirania do orgulho impede o desassombro de ver no outro paradigma que não custa imitar. Sem que, todavia, a identidade seja perdida. Se não, passamos a ser meros émulos desprovidos de vontade, uma acintosa imagem do que supúnhamos ser.
Os outros são um espelho. Para o bem. E para o mal. As medidas que tiramos não obedecem a um padrão objetivo; são a cura atilada do subjetivismo. E porque os outros são diferença pura, servem como esteio da subjetividade que aumenta a estatura do ser. Oxalá não fôssemos, às vezes, instruídos no cárcere da objetividade, nessa impureza que os tiranetes insinuam. Não há melhor eufemismo para a colagem do pensamento às margens do necessariamente igual, ou de como a autonomia da vontade é espezinhada.
Pelo tamanho dos outros, vemos a nossa diferença. Medimos a rebeldia que é virar do avesso e ser fiel aos cânones da diferença. Pois nos outros bebemos as palavras que não encontramos em nós, aprendemos sentidos que nos eram áridos, vamos pelos dedos das artes que eram um prodigioso, mas desconhecido, território. Os outros é que são um paraíso (entre outros).

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