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No cruzamento ao pé dos pastéis de Belém,
o trânsito regulado por um sinaleiro. À maneira antiga, a cabeça encimada pelo capacete
branco que afunila em direção do cocuruto, a coreografia dos braços levando ao
caminho certo os carros que por ali passam.
Era por causa do capacete que, em
pequenos, lhes chamávamos cabeça de giz. Parecia a ponta afiada do giz depois
de desgastado na ardósia. Olhávamos para o giz na mão da professora e víamos o
cabeça de giz que gesticulava freneticamente no cruzamento do Bolhão. O homem
suava pelas estopinhas. Mesmo no verão, quando o calor subia aos píncaros
(hipótese pouco frequente naquelas terras banhadas pela nortada fresca), o
sinaleiro cabeça de giz não se desfazia da farda inteira e continuava a manobrar
os braços – e os automóveis em redor – sem deixar mancha no trânsito. Sobravam
as manchas de suor que tingiam a camisa com dois tons.
Nós, ganapos inconsequentes, tínhamos
diversão covarde: passávamos pelo cabeça de giz e chamávamos-lhe, em tom jocoso,
cabeça de giz. O homem entreolhava-nos entre duas suadelas, deixando cair uma
pinga de suor que, pudesse ele, era a arma de arremesso contra os militantes da
desordem. Um dia, chamamos pelo cabeça de giz e não desatamos a correr dali
para fora (como era costume). O cabeça de giz perdeu a compostura, deitou o
trânsito dos carros ao abandono e correu atrás de nós. Mas era gordo. Queria
bater em nós, mas acabou debruçado sobre as coxas, a deitar os pulmões por
fora. Nunca mais importunamos o cabeça de giz.
Hoje, já senhores do volante ao comando
de um automóvel, consumimo-nos quando os semáforos (que demitiram os sinaleiros
todos) irritantemente descontrolam o trânsito da cidade. Temos saudades dos
sinaleiros. Foi preciso vir de visita aos pastéis de Belém para reencontrar o
folclore dos sinaleiros. Afinal, não foram todos demitidos pelos semáforos.
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