In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiI2V6c-hcI9qqopfmmYIR6MEeKCgWceRowbWquIwsqCyrRY9mu7BhyL8SFixTGsF4XcfKTKwSPwPi3PAYEkuJVj72ZlTKFRapTZLAWveqIgydKIF57T7oC_Kq3RcDiddbD1V2t/s320/mendigo.jpg
Sete cães a um osso – diz o povo, quando
a concorrência entre os pretendentes a uma coisa qualquer é tanta que logo
torna a coisa apetecível. E quando há sete cães ao osso, não se joga no
tabuleiro da cortesia. A concorrência afivela os sentimentos selvagens que
percorrem o instinto da gente. Vale tudo, menos os escrúpulos.
Sidónio Palhares ensaiou estes
pensamentos dispersos quando, na soleira da porta onde pedia esmola aos
transeuntes, lia o jornal gratuito que recolhera na estação do metro. Ele havia
tanta gente a querer comprar a PT que ela devia ser mesmo valiosa. Uma espécie
de joia da coroa, ou rapariga tão voluptuosa que muitos a queriam ter. Na
página seguinte, Sidónio Palhares leu que alguns senhores bem pensantes estavam
indignados – que não tinha jeito perdermos uma joia da coroa, que o governos
estava mancomunado com interesses económicos estrangeiros, que o governo era
traidor à pátria por querer vender coisas tão valedouras a preço de saldo.
O senhor Palhares voltou aos pensamentos
iniciais, porventura lembrando-se dos tempos áureos em que fora professor e
ensinara princípios de filosofia aos petizes. Agora, tudo era diferente: os
andrajos que o protegiam da invernia, a barba descuidada, o cabelo desgrenhado,
as botas rotas, a fome atalhada quando calhava, o sono ao relento sob a
proteção de um cobertor de cartões – era a sua condição. Virou pedinte, não
teve outra solução. Uma série de infaustos acontecimentos fez com que nem a
família quisesse saber dele. Estava sozinho no mundo, imerso na profunda
miséria.
No dia seguinte, foi à sede da PT. Vinha
apresentar uma OPA à PT. Na portaria, chamaram os seguranças para meter o
senhor Sidónio Palhares na rua e, assim, na ordem. Ele esbracejava, berrando
que tinha no bolso da gabardine encardida as garantias bancárias que se exigiam
para registar a operação. Para não perder a paciência, um dos gorilas foi ao
bolso da gabardina e tirou um papel amarrotado. “É isso, é isso! Veja esse documento!”, disparou, excitado, o senhor
Palhares. Vinha lá tudo. Um banco árabe passara uma garantia a confirmar que o
senhor Sidónio Palhares, mendigo ali presente na sumptuosidade dos seus
andrajos, queria comprar a PT. Por uns milhões largos de euros. Toda a gente
ficou apreensiva. Não sabiam se haviam de levar a sério o papel, se deviam desconfiar
em Sidónio Palhares, ou se deviam metê-lo na vara de sete gumes onde já estavam
os sete cães dispostos a roer o osso.
O caso fez notícia. O senhor Palhares
continuou a ser quem era, a aparecer como era, andrajoso, esfaimado,
melancólico, sujo. E um dos pretendentes à joia da coroa.
Sem comentários:
Enviar um comentário