Trent Reznor and Peter Murphy, "Reptile", in https://www.youtube.com/watch?v=Elbsomblod4
Deve ser uma dor lancinante, abrir os
olhos à alvorada e ser consumido por uma azia terrível. Deve ser deprimente
olhar em redor e apenas ver as cores baças, tingidas pela sombra negra dos
abutres famélicos que apenas esperam por depois do estertor. Deve ser uma
consumição inteira desfiar o pessoal oráculo para pressagiar desgraças e mais
desgraças, cataclismos, maldades, procrastinação das coisas boas que, decerto,
pertencem a mundos outros que não este.
São os profetas da desgraça. Devem ter
pesadelos hediondos todas as noites. Não se lhes deve conhecer um sorriso, uma
palavra de conforto, um elogio (a não ser, talvez, quando se fitam no espelho e
gabam tamanha capacidade de presciência). Adivinho que não ouvem música, não
sabem o que é um poema, imarcescíveis que estão numa densa nuvem de pessimismo,
os olhos ramelosos expelindo uma untuosa excrescência que é a detestável ceifa
com que mondam a eira em que medra o mundo.
À semelhança dos olhos ramelosos, o
raciocínio em que baseiam o oráculo (ou será ao contrário?) é uma latrina. Tal
como as latrinas, é lugar pouco recomendável. E por mais que a paisagem em
redor, no que aos homens e mulheres com o baraço da decisão diz respeito, seja
um lugar árido, ou um poço com água contaminada, ler e ouvir os arautos da
desgraça faz logo ter saudades dos mindinhos que ensinam a mandar do alto da
sua inaptidão. E eu, que ando enamorado pela falta de pessimismo (uma fase –
talvez), revolvo-me pelas entranhas de cada vez que a acidez destila ao esbarrar
nas prédicas dos comensais da desgraça. Porque não queria (não quero) ser
profeta da desgraça dos profetas da desgraça. É que de tanta desgraça
profetizada, ao menos sobra a ideia de que o lugar que habitamos não é tão
inabitável como estas viúvas carcomidas pela azia vomitam.
Antes um escarro do mundo, por pior que
ele seja, do que (fosse possível) um parágrafo de doces palavras dos arautos da
desgraça.
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