The Cure, "Hanging Garden", in https://www.youtube.com/watch?v=yEH5jReEkSk
O animal acossado não capitula.
Enraivece-se, faz das fraquezas as forças imperativas para sobreviver. Sente-se
acossado. À medida que as fronteiras do cerco se estreitam, fica de atalaia.
Dia e noite. Todos os outros animais são potenciais inimigos. Já não põe contar
com ninguém. Foi obrigado a aprender: na luta pela sobrevivência, os que ficam
sob ameaça do cutelo perdem amigos. Os olhos bem abertos podem não chegar para
despertar para o logro em que alguns o podem querer atirar.
A estreiteza do território onde se
esconde torna presente o odor dos que querem ser seus algozes. Implacáveis
serão, implacável terá de ser se quem o perseguir ficar sob mira. O sobressalto
contínuo despoja o sono. Não é preciso, o sono, nos tempos árduos em que dormir
pode ser o definitivo sono. O animal esconde-se. Sabe que está ferido, que
sangra. Deixa vestígios que facilitam a empreitada dos perseguidores. Ouve-os
em cantorias que parecem rituais de captura. Parecem abutres famélicos à
procura de carcaça pútrida. Para lá chegarem, dão caça, noite e dia, ao animal
ferido.
Não interessa que outrora tenha sido
animal respeitado no habitat local. O oportunismo é o decaimento das almas que
se tornam impuras. Se calhar, a ingenuidade embacia o olhar: de outras vezes,
animais entronizados haviam caído em desgraça e quase ninguém veio em seu
socorro. O animal acossado, que dantes participou no banquete dos vitoriosos,
desconfia que lhe montaram uma armadilha soez. Mas, como é feroz, como tem as
garras bem afiadas e os dentes preparados para morder fundo na carne dos
algozes que se achegarem, não desiste. Enfraquecido pela ferida, persiste na
demanda. Não se atemoriza pelo cerco que se aperta. Procura outros
esconderijos, improvisa-os entre os arbustos molhados, escavaca grutas que
depois dissimula com galhos de árvores. Um dia de cada vez, que cada dia que
passa é o triunfo maior, à espera de outro que se segue na linha do tempo.
Mas o cerco estreita-se. Já não é só o
cheiro dos carrascos. Vê-os, primeiro à distância, mas nota-os mais por perto.
Não tem fuga. Ainda tem forças para a peleja com os primeiros que conseguem
encontrá-lo. Encarniçado, espumando a raiva dos animais que antecipam o momento
final, sente que tem forças que nunca soube ser possível sentir. Açambarca-as.
Precisa delas para ir derrotando os funestos algozes que saltarem a cerca que o
separa da ignomínia dos que o querem morto. Mas nada é perene. As forças
esgotam-se. Enfraquecido, o olhar dirige-se ao animal que o encontra exangue.
Um olhar de comiseração, que não teve serventia. Os algozes eram muitos e
tinham fome de vingança. O animal deixou de ser feroz. À hora da morte, dócil
criatura que se entregou às garras e aos dentes dos esfaimados carrascos. A lei
da natureza. Da natureza que se renova.
Podia ser o National
Geographic. Ou de
como um animal político, feroz outrora, passou à história sem glória.
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