25.11.14

National Geographic

The Cure, "Hanging Garden", in https://www.youtube.com/watch?v=yEH5jReEkSk
O animal acossado não capitula. Enraivece-se, faz das fraquezas as forças imperativas para sobreviver. Sente-se acossado. À medida que as fronteiras do cerco se estreitam, fica de atalaia. Dia e noite. Todos os outros animais são potenciais inimigos. Já não põe contar com ninguém. Foi obrigado a aprender: na luta pela sobrevivência, os que ficam sob ameaça do cutelo perdem amigos. Os olhos bem abertos podem não chegar para despertar para o logro em que alguns o podem querer atirar.
A estreiteza do território onde se esconde torna presente o odor dos que querem ser seus algozes. Implacáveis serão, implacável terá de ser se quem o perseguir ficar sob mira. O sobressalto contínuo despoja o sono. Não é preciso, o sono, nos tempos árduos em que dormir pode ser o definitivo sono. O animal esconde-se. Sabe que está ferido, que sangra. Deixa vestígios que facilitam a empreitada dos perseguidores. Ouve-os em cantorias que parecem rituais de captura. Parecem abutres famélicos à procura de carcaça pútrida. Para lá chegarem, dão caça, noite e dia, ao animal ferido.
Não interessa que outrora tenha sido animal respeitado no habitat local. O oportunismo é o decaimento das almas que se tornam impuras. Se calhar, a ingenuidade embacia o olhar: de outras vezes, animais entronizados haviam caído em desgraça e quase ninguém veio em seu socorro. O animal acossado, que dantes participou no banquete dos vitoriosos, desconfia que lhe montaram uma armadilha soez. Mas, como é feroz, como tem as garras bem afiadas e os dentes preparados para morder fundo na carne dos algozes que se achegarem, não desiste. Enfraquecido pela ferida, persiste na demanda. Não se atemoriza pelo cerco que se aperta. Procura outros esconderijos, improvisa-os entre os arbustos molhados, escavaca grutas que depois dissimula com galhos de árvores. Um dia de cada vez, que cada dia que passa é o triunfo maior, à espera de outro que se segue na linha do tempo.
Mas o cerco estreita-se. Já não é só o cheiro dos carrascos. Vê-os, primeiro à distância, mas nota-os mais por perto. Não tem fuga. Ainda tem forças para a peleja com os primeiros que conseguem encontrá-lo. Encarniçado, espumando a raiva dos animais que antecipam o momento final, sente que tem forças que nunca soube ser possível sentir. Açambarca-as. Precisa delas para ir derrotando os funestos algozes que saltarem a cerca que o separa da ignomínia dos que o querem morto. Mas nada é perene. As forças esgotam-se. Enfraquecido, o olhar dirige-se ao animal que o encontra exangue. Um olhar de comiseração, que não teve serventia. Os algozes eram muitos e tinham fome de vingança. O animal deixou de ser feroz. À hora da morte, dócil criatura que se entregou às garras e aos dentes dos esfaimados carrascos. A lei da natureza. Da natureza que se renova.
Podia ser o National Geographic. Ou de como um animal político, feroz outrora, passou à história sem glória.

Sem comentários: