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Ele sabia que não tinham mercado as profecias
que acenavam com fantasmas eternos. Também sabia das cicatrizes de outrora: despenhara-se
tantas vezes de abismos (ora programados, ora inconsequentes). Mas desconfiava
que os males que atormentavam os pesares não podiam ter medida perene. Não
sabia quando viria o alvoroço da bonança, mas acreditava que uma manhã clara,
serena, sem vento, com uma luminosidade impetuosa, daria ao porto num dia
qualquer.
Talvez fosse necessário um tornado
avassalador. Que tudo descompusesse, que adestrasse o caos entre os haveres das
pessoas, porventura calcinante para algumas existências. Seriam tempos urdidos
na dificuldade, o sobressalto tomando conta dos sentidos: a qualquer altura, um
naco do tornado podia desabar sobre a sua cabeça e ele não ficaria entre os
sobrantes para contar a experiência.
Veio o dia do tornado. Refugiou-se nos
baixos da casa. Os ventos furiosos metiam medo. O ruído tonitruante era uma amálgama
de sons: vidros partidos, árvores a partir-se pela raiz, sirenes de ambulâncias,
o mar encavalitado, o vento acelerado
que entrava pelas frinchas das janelas e fazia soar uma sinfonia aflitiva. Escondeu
a cabeça entre os joelhos. À falta de sono, que o barulho coalhava, refugiou-se
na liberalidade do pensamento. Diria que viajava ainda mais depressa que os
ventos do tornado. Foi às memórias, às que não interessava reter, e voltou sem
feridas. Entretanto, o tornado tinha desparecido do horizonte. Pusera-se uma
estranha calma. Lá fora, a destruição latente. Pessoas e bombeiros
inventariavam os destroços.
Mas a manhã amanheceu clara, serena, sem
vento, com uma luminosidade impetuosa que anotou em sonhos (que julgava, a certa
altura, apenas uma ilusão onírica). A manhã desvalorizava os destroços. Pela primeira
vez em muito tempo, esboçou um sorriso. Sentia a manhã clara, serena, sem
vento, com uma luminosidade impetuosa a embeber-se nas entranhas. A tomar conta
dele, a ensinar-lhe o mapa com os segredos vitais para a bonança em fila de
espera, à espera de que lhe deitasse mão – que era tão simples quanto isso.
O tornado fora um mal necessário. Soube,
tempo depois. Pois sem ele não lhe seria dado a conhecer os predicados do tempo
propício. As alvoradas passaram a ser todas radiosas.
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