17.11.15

O tempo lento

Love and Rockets, “Saudade”, in https://www.youtube.com/watch?v=RUX5etnYnrM
Não há pressa. Temos o tempo todo. Que serventia têm as urgências, se não tirar o tempo bondoso que temos à frente? Quando apressamos o tempo, nem damos conta de como ele se desgasta, de como passa por nós como um comboio de alta velocidade consome vorazmente o cais de um apeadeiro.
Por isso, sejamos madraços. Deixemos as empreitadas para depois. Para quando acharmos que o tempo achou a sua serventia a calhar para as empreitadas que estiverem no caderno de encargos. Até lá, deixemos o corpo escorregar pelo sofá. Deixemos a preguiça tomar conta de tudo. Deixemos, apenas, que seja feito o que vier de improviso, sem planos, sem cortinas de fumo a açambarcar remorsos apenas porque outras coisas podiam ter sido feitas em vez das que ficaram por fazer. Devemos ler as coisas de maneira diferente: as que não vieram ao acaso fazer, não tinham momento no momento em que ajuizámos que elas podiam ter sido feitas. Não podem ser a caução de um arrependimento.
Em vez disso, celebremos as coisas que acabaram por não ser feitas, mesmo aquelas que nunca estiveram no caderno de encargos, mas que julgamos que deviam ter sido empreendidas. Aceitemos, sem embaraço, que essas são “não coisas”. As que contam são aquelas que vieram de cor, pelo suor dos nossos dedos, mesmo que nelas estivesse embebida a indolência. Se calhar, temos todos direito à indolência. Ou, se calhar ainda, temos o dever de a praticar. Nos dias em que é propícia a sua prática (os dias de não trabalho são os mais lógicos); mas – nunca se sabe – por que não havemos de consagrar um ou outro dia aleatório à languidez? Deixarmos o tempo fluir na sua lentidão. Para serem dias em que o tempo se arrasta docemente, sem horas para nada, sem relógios a ditarem o totalitarismo do tempo mecânico. Apenas o elogio do nada. Para percebermos que o nada assim configurado é pleno, vigoroso, mais produtivo do que muitos dias que achamos completos.
No tempo lento. Só nós, tutores do tempo que for o tempo do nosso contentamento. Tomando nos braços as cores com o que tempo vier tingido, sem nada fazer a não ser olhar com o tempo todo para o tempo na sua lentidão. Porventura, na alquimia nossa de descobrir como somos fieis depositários da perenidade do tempo. Quando assim quisermos. Só temos saudade do tempo que se arrasta entre as nossas mãos.

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