Nitin Sawhney, “Breathing
Light”, in https://www.youtube.com/watch?v=0Sb99HNp5D4
Em pequeno, perguntava ao tio (que se julgava entendido
no assunto) se havia caminho até às pedras mais altas que se distinguiam no
cimo da serrania. O tio contava histórias (era um contador de histórias). Às
vezes, dizia que os caminhos eram de cabras. Ao início, ainda refém da
ingenuidade da meninice, o pequeno julgava serem caminhos vedados às pessoas. De
outro modo, não se chamavam caminhos de cabras. Outras vezes, o tio estarola
contava que já tinha ido até àquelas pedras, entre caminhos florestais e
veredas abertas com um punhal entre a vegetação densa.
(Até que um dia, a tia habituada às fanfarronices do
marido contou ao rapaz que o tio não era dado a essas aventuras. Era tudo
garganta.)
O tempo fez o seu caminho, apascentando o esquecimento
da paisagem que povoou as fantasias do rapaz durante a idade menina. Esteve muitos
anos sem ir à aldeia – era no caminho para a aldeia, quando entrecortava a
serra, que as pedras altas se mostravam. Já adulto e com a formatura recente,
voltou à aldeia. Outra vez com o mesmo tio, que regressara da emigração. Lembrou
as histórias que contou a si mesmo, em devaneios oníricos, a propósito das
pedras mais altas. Tomou uma resolução: desse por onde desse, haveria de trepar
os inclinados caminhos pela serra acima até conquistar os penedos que, vistos
dos contrafortes, pareciam pequenos.
Estudou o terreno com a ajuda de mapas militares. Descobriu
a rota possível. Foi de véspera, para perguntar aos aldeões se sabiam de outro
caminho, ou se havia histórias desconhecidas acerca da coroação da serra. Sossegaram-no.
Ninguém se interessava por aquele marco geodésico natural. E não havia contos
medonhos desaconselhando a empreitada. Depois de um sono apressado, equipou-se
a preceito e foi pela serra acima. Foram algumas horas de caminhos agrestes, em
alguns casos quase virgens ao calcar humano. Deu razão à imaginação do tio,
quando lhe contava (como farsante bem disfarçado) que em sítios era preciso
desbravar o mato com um punhal bem afiado.
Vistas ao perto, as pedras mais altas eram majestosas. Do
tamanho de casas. Numa das pedras estava embutida a figura de uma santa (o ateísmo
não lhe deu para reter o nome da santa). Apreciou a paisagem, demoradamente. Sem
se intimidar com o vento álgido que soprava com força no cocuruto da serra. Sentiu
a infância vingada. Não é todos os dias que se consumam proezas prometidas em
divagações.
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