26.11.15

No lugar das máscaras

David Byrne & St. Vincent, “Who”, in https://www.youtube.com/watch?v=hpPYKJAnwUo
Numa ardósia embotada, nomes escritos em caligrafia pobre. As rugas da ardósia consumiram letras dos nomes, deixaram-nos amputados. A própria luz põe-se a preceito, embaciada e com traços de fumo que parecem vir das entranhas, com um odor sulfúrico. As máscaras estão penduradas nas paredes. À espera que as pessoas as usem, preceito exigível para quem se puser à aventura neste lugar.
À entrada, um espelho partido amedronta os timoratos, os abespinhados, os que se deixam conduzir pelas superstições, os que sondam inimigos fictícios e fazem disso leitmotiv. O espelho tem gravado, na coroa superior, o preceito que deve ser cumprido como regra: as pessoas só podem habitar aquele lugar se estiverem com o rosto tapado por uma máscara. Os apressados seriam levados a concluir tratar-se de um sítio onde medram as manhas, onde as pessoas são obrigadas a fazer de conta o que não são. De outro modo – perguntariam os artesãos dos lugares-comuns – por que haveriam de envergar máscaras se não para esconderem o que são, ou para se esconderem do que as envergonha?
Os olhos óbvios são uma adversidade para as leituras que encontram fusos noutros quadrantes, ávidas de terem como fio de prumo uma latitude diferente daquela por onde desenfeza a vetusta normalidade. As máscaras não são uma astúcia, não são uma fortaleza que esconde uma viciosa existência ou um santuário de vergonhas irreveláveis. As máscaras também não são o oráculo de uma personagem ambicionada por quem se refugia numa máscara. Trata-se, tão singelamente, de apurar as bainhas de um ator – e quem não é ator, em episódios esparsos ou em ladainhas mais duradouras, que atire a primeira pedra. Trata-se de sermos atores múltiplos, como se nos desdobrássemos em heterónimos à medida das circunstâncias. Com máscaras diferentes a preceito.
As máscaras substituem as letras perdidas nas rugas da ardósia. Podemos tomá-las como ponto de mira para refinar os pontos cardeais. Tomemos as máscaras como horizontes inclinados que aprendemos a adestrar. Nessa altura, pegamos nas letras em falta e sabemos os nomes todos que estão escritos na ardósia.

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