5.11.15

Atlas, para que te quero!

This Mortal Coil, “Mr. Somewhere”, in https://www.youtube.com/watch?v=7nELGwMfBt4    
Vejo os aviões que rasgam o céu. Apetece perguntar para onde vão. Apetece seguir o seu rasto, como se de repente me aprouvessem asas e fosse um pássaro capaz de voar distâncias longas e pousar em lugares que não fazem parte da geografia do conhecimento.
Pois há atlas por cumprir. Atlas que querem um lugar na memória dos lugares visitados. Atlas que sedimentam uma peregrinação pelos escombros da alma. Pelos mapas diferentes, sabendo as pessoas de culturas diferentes, sem sentir medo das montanhas cheias de precipícios, dos rios fartos e lodosos, dos mares com maresia diferente e peixes vorazes, das comidas exóticas que transtornam a digestão, das musicalidades do mundo a que o ouvido é estranho. Deixando as memórias em forma de anotações sublimes de onde medram poemas em esboço, abraços compulsivos à vontade de perseverar, olhares contundentes que registam quase todos os detalhes da paisagem e das pessoas que passam, uma ladeira cheia de flores sem espinhos que amaciam a pele.
Queria andar em viagem, ser trota mundos sem remédio, tirar fotografias a eito (aos lugares, aos rostos, aos comportamentos, aos animais de rua, às árvores e flores, aos livros mesmo em alfabetos desconhecidos), cinzelar estrofes de poemas homéricos (ou apenas singelos) com tinta aveludada na ponta dos dedos. Avançando de aeroporto em aeroporto, de estação em estação, através de estradas planas que cruzam pradarias infindáveis, dormindo em cima do supremo cansaço das distâncias percorridas a almofadar o conhecimento proporcionado. Imaginando páginas de romances que entrecruzem personagens conhecidas em diferentes lugares. Reaprendendo o ateísmo através da depuração das religiosidades diferentes. Reaprendendo a alma, em suma. Sem data de regresso a casa, talvez já sem as peias de uma casa por habitar a partir do nomadismo indeclinável que recusa a casa por ser um lugar sitiado.
Na posse de um atlas, sempre de mão dada com a mulher amada. Pois dois pares de olhos vêm mais. Dois pares de olhos vigiam-se nos cuidados que um sozinho não consegue precatar em viagem aventura. Dois pares de olhos: apenas porque sim – no maior dos apenas que pode haver. Até que o entardecer arremate dois copos de vinho numa esplanada de onde se aviste o sol que desmaia no seu ocaso. Uma mão em cima da outra. E dentro das duas, o mundo inteiro de que somos curadores.

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