This Mortal Coil, “Mr.
Somewhere”, in https://www.youtube.com/watch?v=7nELGwMfBt4
Vejo os aviões que rasgam o céu. Apetece perguntar para
onde vão. Apetece seguir o seu rasto, como se de repente me aprouvessem asas e
fosse um pássaro capaz de voar distâncias longas e pousar em lugares que não fazem
parte da geografia do conhecimento.
Pois há atlas por cumprir. Atlas que querem um lugar na
memória dos lugares visitados. Atlas que sedimentam uma peregrinação pelos
escombros da alma. Pelos mapas diferentes, sabendo as pessoas de culturas
diferentes, sem sentir medo das montanhas cheias de precipícios, dos rios
fartos e lodosos, dos mares com maresia diferente e peixes vorazes, das comidas
exóticas que transtornam a digestão, das musicalidades do mundo a que o ouvido é
estranho. Deixando as memórias em forma de anotações sublimes de onde medram
poemas em esboço, abraços compulsivos à vontade de perseverar, olhares
contundentes que registam quase todos os detalhes da paisagem e das pessoas que
passam, uma ladeira cheia de flores sem espinhos que amaciam a pele.
Queria andar em viagem, ser trota mundos sem remédio,
tirar fotografias a eito (aos lugares, aos rostos, aos comportamentos, aos animais
de rua, às árvores e flores, aos livros mesmo em alfabetos desconhecidos),
cinzelar estrofes de poemas homéricos (ou apenas singelos) com tinta aveludada
na ponta dos dedos. Avançando de aeroporto em aeroporto, de estação em estação,
através de estradas planas que cruzam pradarias infindáveis, dormindo em cima
do supremo cansaço das distâncias percorridas a almofadar o conhecimento
proporcionado. Imaginando páginas de romances que entrecruzem personagens
conhecidas em diferentes lugares. Reaprendendo o ateísmo através da depuração
das religiosidades diferentes. Reaprendendo a alma, em suma. Sem data de
regresso a casa, talvez já sem as peias de uma casa por habitar a partir do nomadismo
indeclinável que recusa a casa por ser um lugar sitiado.
Na posse de um atlas, sempre de mão dada com a mulher
amada. Pois dois pares de olhos vêm mais. Dois pares de olhos vigiam-se nos
cuidados que um sozinho não consegue precatar em viagem aventura. Dois pares de
olhos: apenas porque sim – no maior dos apenas que pode haver. Até que o
entardecer arremate dois copos de vinho numa esplanada de onde se aviste o sol
que desmaia no seu ocaso. Uma mão em cima da outra. E dentro das duas, o mundo
inteiro de que somos curadores.
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