13.11.15

Fazer de conta

Toy, “My Heart Skips a Beat”, in https://www.youtube.com/watch?v=zYUHUqkb_PA
Um palco imenso. Sempre um palco. E se há quem habite os palcos, são os atores. Lá fora, no palco sem fim, temos de ser atores. Embaciamos os sentidos atrás de uma lente protetora ao tomarmos os outros por atores, da mesma forma que desconfiamos que os outros nos olham como atores.
Com a malnascida socialização, que começa nas escolas e continua com as relações sociais e de trabalho, aprendemos a não mostrar o rosto espontâneo. Trazemos à rua o rosto que escondemos atrás de uma máscara. Não podemos ter a veleidade da nudez: a exposição de um eu inteiriço termina num embaraço por intermédio das armadilhas que os outros, lídimos atores, preparam sem hesitação. Essa socialização tem um esteio: à primeira contrariedade, começamos a ser vacinados para a impossibilidade do genuíno. Assim que se somam as contrariedades, fugimos para uma incubadora que protege do ambiente agressor. Temos de perder a autenticidade. É uma prova de vida.
Dizem os puristas que nos adulteramos ao sermos apenas arremedos da essência com que fomos ungidos à nascença. Talvez estejam errados, os puristas. Não podemos abdicar da existência em sociedade, e em sabendo que a sociedade dos ardis pode causar danos irreparáveis se não viermos ao encontro da vacina, convivemos com as suas características. Num lugar de iguais, temos de ser como os que são iguais. Os mais realistas admitem que este irrecusável dever não é adulteração de nada; é uma necessidade, é o imperativo que a convivência em sociedade nos traz, o seu oxigénio. Só os puristas, ingénuos como são (ou mergulhados em idealismo), é que protestam contra a exigência em sermos atores. Não sabem responder a esta interpelação: o que acontece a idealistas como eles que tencionam administrar um golpe de estado neste estado de coisas, o que lhes acontece se vão sozinhos na urdidura da maré que recusam alimentar?
Porventura, os idealistas são impostores. A retórica não combina com a prática que não confessam (para não esbarrarem na retórica). São, talvez sem notarem, os mais adestrados atores entre os atores.

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