Nine Inch Nails, “The Line
Begins to Blur”, in https://www.youtube.com/watch?v=WTukw3sYzDc
Se está magro, tem de comer mais. Se come de mais,
engorda e tem de fazer dieta. Se vê mal ao longe, deve usar óculos. Para usar óculos,
tem de gastar dinheiro (e deixar de ser sovina). Para não ser avarento, tem de
levar a economia na desportiva. Para ser desportista, tem de combater o sofá
que o deixa ocioso. Para sair do sofá, tem de perder aquelas séries todas que
passam em horário contínuo. Com menos tempo para a cultura (ou aquilo que acha
ser cultura) põe-se a jeito do exercício físico e da cultura do dito cujo (físico,
bem entendido).
A jeito da prática física, predispõe-se a gastar
dinheiro na parafernália de equipamento que é de uso obrigatório por quem leva
o desporto a sério. E dá o seu contributo para a economia, carente de gente que
gaste o que tem e o que não tem (com a bênção dos bancos outra vez autorizados à
prodigalidade no crédito). Mas depois, tempos depois, encontra uma surpresa: as
pessoas puseram-se a gastar tudo o que tinham e ainda o que prometeram aos
bancos credores que haveriam de vir a ter. Agora descobriu a inflação. Dantes,
todos choravam por um naco de inflação. Já a têm. E é excessiva. Sem peais.
Os pobres, que seriam agraciados com a comenda da inflação,
são os primeiros a apanhar por tabela. E ele, que dançou a coreografia dos
esbulhados no altar dos sacrossantos interesses da alta finança, comisera-se
dos pobres que não sabem o que hão de fazer às notas que perdem valor com
voracidade. Ele, por sua vez, precatou-se. Voltou aos tempos do monástico
comedimento. Como um monge, era preferível não sair de casa. Para não gastar a
inflação. Para não ter de esbarrar nas situações de miséria que campeiam nas
ruas. Dando o seu modesto contributo para erodir a inflação. Se outros tivessem
a mesma sobriedade era mais fácil tirar a corda da garganta de tantos que dantes
eram classe média e agora enfileiravam no exército dos despojados. Não sendo do
mal, era da cura.
As voltas que o mundo congemina são um mistério sem
sentido – anotou no caderninho antes do deitar.
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