20.11.15

Três alqueires de instabilidade política

Santigold, “Can’t Get Enough of Myself”, in https://www.youtube.com/watch?v=Bi171sZUQUA
Há governo, não há governo, ou apenas um de gestão, ou o presidente convida um amigo para o governo, ou cumpre-se o sonho molhado das esquerdas e há governo debaixo de um largo guarda-sol multicolor. Não se sabe. O homem que tem a decisão nas mãos anda hesitante. Anda, por estes dias, a aconselhar-se com os parceiros escolhidos para o aconselhamento. E muita gente protesta: a instabilidade é danosa, o país fica a perder.
Eu tenho para mim que esse é um pânico extemporâneo. Há tempos, a Bélgica esteve sem governo (com governo de gestão) durante quinze meses. Não houve notícia da extinção da Bélgica, nem da sua condenação à miséria. Eis uma teoria (como outra qualquer, uma teoria, apenas): da idiossincrasia local faz parte a asneira quando toca o momento de pegar no leme do poder. Ora, às vezes, é preferível nada fazer em vez de alguma coisa fazer, pois o fazer algo está condenado a dar maus resultados. Às vezes, é preferível estar parado do que ir para um lado qualquer e ficar pior do que se estava antes. Admito que esta teoria parte de pressupostos críticos, de uma profunda desconfiança na bondade e na aptidão de quem habitualmente amesenda no poder.
As circunstâncias militam a favor da inércia. É disso que se trata: inércia, e não instabilidade. Em fim de ciclo, com novo presidente no horizonte, com a incerteza afivelada pelos que se prometeram ao poder, tudo se conjuga para a procrastinação. É uma procrastinação benévola. Porventura, fará a diferença entre o imperativo de nova intervenção externa e a velocidade de cruzeiro que dispensa essa ajuda. Assim como assim, a Europa está no sítio para nos ajudar com as decisões que contam. Apesar das suas insuficiências, a Europa tomou o lugar sebastiânico no imaginário pátrio.
Ainda por cima, nenhum dos concorrentes às eleições provou merecer o leme do poder. O poder não deve tolerar soluções cheias de tibieza, nem soluções que coxeiam à nascença. Para ver se se aprende que o poder não é para amadores, nem existe para saciar clientelas ávidas de prebendas. Das que militam em partidos e estão em palpitação constante por sinecura. E das que, reclamando da intrusão dos poderes públicos, estão quase sempre de mão estendida à espera da ajuda pública. Protestando, com grande dose de oportunismo, umas e outras clientelas, contra a terrífica instabilidade. Escondendo dos olhos públicos que são elas as maiores fautoras de instabilidade.

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