Santigold, “Can’t Get
Enough of Myself”, in https://www.youtube.com/watch?v=Bi171sZUQUA
Há governo, não há governo, ou apenas um de gestão, ou o
presidente convida um amigo para o governo, ou cumpre-se o sonho molhado das
esquerdas e há governo debaixo de um largo guarda-sol multicolor. Não se sabe. O
homem que tem a decisão nas mãos anda hesitante. Anda, por estes dias, a
aconselhar-se com os parceiros escolhidos para o aconselhamento. E muita gente
protesta: a instabilidade é danosa, o país fica a perder.
Eu tenho para mim que esse é um pânico extemporâneo. Há tempos,
a Bélgica esteve sem governo (com governo de gestão) durante quinze meses. Não houve
notícia da extinção da Bélgica, nem da sua condenação à miséria. Eis uma teoria
(como outra qualquer, uma teoria, apenas): da idiossincrasia local faz parte a
asneira quando toca o momento de pegar no leme do poder. Ora, às vezes, é
preferível nada fazer em vez de alguma coisa fazer, pois o fazer algo está
condenado a dar maus resultados. Às vezes, é preferível estar parado do que ir
para um lado qualquer e ficar pior do que se estava antes. Admito que esta
teoria parte de pressupostos críticos, de uma profunda desconfiança na bondade
e na aptidão de quem habitualmente amesenda no poder.
As circunstâncias militam a favor da inércia. É disso que
se trata: inércia, e não instabilidade. Em fim de ciclo, com novo presidente no
horizonte, com a incerteza afivelada pelos que se prometeram ao poder, tudo se
conjuga para a procrastinação. É uma procrastinação benévola. Porventura, fará
a diferença entre o imperativo de nova intervenção externa e a velocidade de
cruzeiro que dispensa essa ajuda. Assim como assim, a Europa está no sítio para
nos ajudar com as decisões que contam. Apesar das suas insuficiências, a Europa
tomou o lugar sebastiânico no imaginário pátrio.
Ainda por cima, nenhum dos concorrentes às eleições
provou merecer o leme do poder. O poder não deve tolerar soluções cheias de
tibieza, nem soluções que coxeiam à nascença. Para ver se se aprende que o
poder não é para amadores, nem existe para saciar clientelas ávidas de
prebendas. Das que militam em partidos e estão em palpitação constante por
sinecura. E das que, reclamando da intrusão dos poderes públicos, estão quase
sempre de mão estendida à espera da ajuda pública. Protestando, com grande dose
de oportunismo, umas e outras clientelas, contra a terrífica instabilidade. Escondendo
dos olhos públicos que são elas as maiores fautoras de instabilidade.
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