18.11.15

Pedras parideiras

Mogwai, “Take Me Somewhere Nice”, in https://www.youtube.com/watch?v=luM6oeCM7Yw&list=PL4Z-LDuzeu_Cp8KOB5TE7v1ou0MLxYsE2
O fértil planalto. Sob as pedras vicejam não apenas arbustos, mas também flores com vida própria. No amontoado de pedras medram as sementes escondidas das possibilidades do olhar humano. São atiradas pelo ar quando o vento sobe da planície e troa furiosamente, despenteando as cúspides do planalto. As sementes vão, erráticas, nidificar onde menos se espera. A improvável sementeira dos elementos fabrica a quimera da paisagem.
Perguntam os forasteiros que ali aportam pela primeira vez: como pode tamanha aridez ser leito fértil onde se renova uma paisagem colorida, uma paisagem que mais parece uma paleta de cores teimando na contradição dos maus elementos? As pedras de arestas vivas não são punhais que cerceiam as flores. São o seu caudal. Mostram como os elementos, que ao primeiro olhar podem exibir semelhanças com uma paisagem lunar, se redescobrem num lado oculto. Até parece que as pedras emprestam vida a tanta vida que brota das entranhas. Até parece que as pedras contêm o milagre da existência, uma centelha imersa nas lágrimas dos deuses que se retorceram no sono sobressaltado para desenhar o cenário.
Ali à frente, onde o planalto decai num precipício, os olhos fogem da verticalidade. Têm medo que a gravidade seja o íman que atrai o corpo para o precipício. O rio ainda infante despenha-se, dá um ar da sua graça dando a mão à deixa do precipício. Nas rochas lisas que são a cama por onde escorre a água espumosa, nota-se o musgo intrépido que se alojou num alcantilado. As nuvens brancas voam sobre o precipício, embaciam a luz do sol que se reproduz nas paredes verdejantes que bordejam o precipício. Só o grito da água a cair das alturas, nem a menor lembrança do silêncio. A água perde-se numa penumbra de espuma ao estirar-se no fundo do poço. Uma aura indelével compõe o bramido quando a água retoma a horizontalidade.
Há quem garanta que em dias claros se distingue a silhueta de um deus. Daqueles que não vêm no manual das divindades.  

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