19.3.19

Suspeitos de costume (short stories #102)


The Chemical Brothers, “MAH”, in https://www.youtube.com/watch?v=XTBNONSR9F8
E não suspeitos do costume. Eram suspeitos de costume. Pelo ramo familiar do conservadorismo incorrigível. Só se guiavam pelo roteiro da rotina. O que tivesse sido arquivado no bornal das memórias e correspondesse a repetição atrás de repetição. Não se desviavam daí um centímetro. Porque o desconhecido era um corpo estranho que vinha ao seu regaço, e não queriam o regaço contaminado pelo desconhecimento. Houve alguém que os interpelou, se não sabiam que o conhecimento estava no exterior do acostumado. Não queriam saber. Estavam contentes com o conhecimento que lhes era dado a conhecer pelos seus costumes. E pouco se importavam se os interpelantes jocosamente encolhessem os ombros, insinuando, com o gesto, que era exíguo o mundo por onde se moviam. Era o seu mundo. Os seus costumes. Podiam aconselhar que cavalgassem no exterior dos limites, para serem como os descobridores de outrora, sem medo da aventura e sedentos de novos conhecimentos. Também não importava. A cada um a sua particular gesta. Que não os importunassem no conservadorismo oportuno para quem tem medo do que não sabe e não conhece. Era como se vivessem aprisionados num quarto dos fundos, lúgubre, sem exposição à luminosidade dos dias soalheiros ou das manhãs sombriamente enevoadas. Mas essa era a sua coutada. Onde se sentiam confortáveis. Que não lhes pedissem para extravasar os costumes. Fora tão custoso o processo de enquistamento dos costumes ancorados. Não lhes pedissem para romper a vocação conservadora. Não lhes pedissem; que também respeitam as margens por onde os demais transitam, fossem elas de que tamanho fossem. Depois escutaram uma interrogação perdida no anonimato da multidão: “O que vai ser o futuro?” Os suspeitos de costume não podiam ser recenseados na convenção. Não se importavam com o futuro e esperavam que o futuro não se incomodasse com eles. Por isso, quando um dos suspeitos de costume, em plena distração, corrigiu a interrogação (“O que vai ser do futuro”), um dos outros admoestou-o: “Nem uma coisa nem a outra nos interessam.” A menos que lhes garantissem, em antecipação do porvir, que esse tempo, se por eles vivido, seria igual aos costumes de que eram regedores.

Sem comentários: