Einstürzende Neubauten, “Ich Warte”, in https://www.youtube.com/watch?v=hQDzt1Phbi4
O cotovelo pousado na mesa, a fazer de bengaleiro da cabeça pendida sobre a mão. Parece cansado. Absorto. À sua frente, ela dirige o olhar para a janela, dedilhando a paisagem sobranceira ao mar. Não falam. Esperam pela refeição depois de terem feito o pedido. Ele beberica um pouco de água – não lhe apetece vinho, não sabe porquê, não lhe apetece.
Ela desvia o olhar do postigo que oferece um módico da paisagem catatónica; estuda as outras pessoas que amesendam no restaurante. Quase todos falam idiomas estrangeiros. Um sinal dos tempos. Dantes, quando a cidade estava amuralhada pelo seu rosto granítico, plúmbeo, repelia os turistas. Agora as coisas puseram-se diferentes: será do aquecimento global (porventura), o cinzentismo da cidade foi substituído pela constelação de cores que resplandecem por ação do sol que predomina. Não sabe ao certo o que ajuizar sobre a maré de turistas. Também não interessa. Eles continuarão a vir, emprestando à cidade uma paleta de cores cosmopolita. Independentemente do que ela achar.
Subitamente, apetecia-lhe um cigarro. Ele já não fumava há uma hora. Uma eternidade. Talvez fosse do apetite que era voraz, pois já não comia desde o pequeno-almoço (não houvera tempo para o almoço, que o exigente trabalho naquele dia o convocara para empreitadas urgentes – e ficava sempre bem, nestes tempos modernos em que fica bem as pessoas orgulharem-se que deixam quase todo o tempo no trabalho). Agarrou-se a um naco de broa. De seguida, atirou-se a dois canapés que faziam as vezes de pré-entrada. Ah, se ao menos esta modernidade não tivesse instituído as proibições higiénicas e ainda fosse possível fumar nos restaurantes! Procurou anestesiar os apetites com a distração do olhar. À falta de assunto, e continuando emudecidos, dava alvíssaras por um passatempo que disfarçasse a perenidade do tempo. Na mesa contígua estava sentada uma mulher lúbrica, com as curvas do corpo excessivamente delineadas por um vestido apertado. Teve de desvair o olhar. Não queria ser apanhado em falso. E o acompanhante daquela mulher exibia ciúme, fulminando-o com um olhar ao notar que a sua companhia estava sob observação desde a mesa vizinha.
Ela conseguiu perceber o deslize. Não deu importância. Debateu-se sobre a irrelevância do acontecido. Era mesmo para não dar importância porque não tinha importância (os instintos carnais são transversais aos sexos, numa confissão implícita)? Ou não tinha importância porque sentia que os laços se esbatiam? O mar calmo, na noite ausente de vento, ajudava a descompor as ideias. A música de fundo, aquele jazz reinterpretado para almas orelhudas, bem ao jeito da soporífera música de elevadores, não ajudava. A demora começava a ser insuportável. Ou talvez fosse apenas a mudez e os palcos diferentes em que se moviam que davam a impressão de o tempo se alongar além da sua medida.
Ele interpelou o empregado de mesa. Ela pressentiu que ele fosse perguntar se o pedido demorava. Enganou-se. Ele pediu um pisco sour. Passou da água para o pisco sour! Ela não sabia se fora por acaso, ou um sinal através da bebida. De como estava amargo, a ficar fora de prazo. Indiferente aos pensamentos que vogavam, provou o pisco sour. Disse: “que zurrapa! Puseram limão em vez de lima. Onde está o sour desta bebida?” Ela levantou brevemente o olhar, fitando-o com algum desprezo. Apetecia-lhe responder: “a amargura da bebida foi dissolvida pela tua própria amargura.”
Ficou em silêncio, a admirar a suave coreografia das ondas iluminadas pelos lampiões da avenida. Adiando-se.
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