12.3.19

Uma defesa minimalista da Europa


Cat Power, “Lived in Bars” (live on Later with Jools Holland), in https://www.youtube.com/watch?v=IcaqpzVXHDo
No domingo, António Barreto, em artigo de opinião no P2do Público(“Uma Europa longe demais”), discorre sobre a crise existencial que ameaça a Europa às portas da terceira década do século XXI. Depois de uma resumida historiografia em que mostra as diferentes Europas segundo os diferentes interesses (e interpretações) e os sucessos por ela registados, Barreto parte em busca dos limites que estão a colocar a Europa no limiar do precipício.
A Europa já ofereceu tanto que agora já não tem mais nada de válido para oferecer. Os cidadãos já receberam tanto da Europa que nem sequer dão conta dos valores que outrora foram sonegados e pelos quais foi preciso derramar muito sangue para serem firmados. O desinteresse da população, com expressão no crescimento da abstenção, e o aumento do voto de protesto (nos partidos nacionalistas, populistas e radicais), parecem hipotecar a Europa. O cimento da Europa está-se a despedaçar, como acontece com as pontes e viadutos sem manutenção, com vestígios da cofragem entre a muralha de betão, sinalizando o perigo de desmoronamento. Nas palavras de Barreto, “[o] que é mais confrangedor é que a Europa não tem nada para oferecer, a não ser o que é e o que está. Oferecer aos cidadãos o que já têm, paz, liberdade e livre circulação, não parece especialmente excitante. Mobilizar os eleitores para a democracia que têm há décadas também não é emocionante. Olha-se para a Europa e não se vê o que nos possa dar de novo. Mais do mesmo é receita para desastre ou abstenção. E dá o flanco aos seus inimigos.”
Parto da asserção “[o] que é mais confrangedor é que a Europa não tem nada para oferecer, a não ser o que é e o que está.” Intuo uma ilação oposta à de Barreto. Eu diria: justamente – o que a Europa tem a oferecer é “o que é e o que está”, com o mérito de ser toda uma cosmovisão que, a julgar pelos regimes alternativos, e descontando todas as fragilidades da União, é o que a distingue. É pouco o que a Europa oferece e está tão consolidado que parece não ter valimento? Poder-se-ia ensaiar o registo contrafactual: e se a Europa perdesse o que tem, com que ficariam os cidadãos? O que seria, neste momento e com as circunstâncias conhecidas, um cenário de “não Europa?” O que seria dos valores legados pela Europa? Será difícil pressentir que a Europa da barbárie estaria ao dobrar da esquina, numa involução civilizacional?
Pode-se contrapor que, mesmo assim, é pouco para “mobilizar os eleitores” (citando Barreto). Parece indiscutível, a crer no gradual desinteresse e no alheamento pela política, de que a abstenção é só um sintoma. Em oposição ao pessimismo de Barreto, ofereço uma visão otimista. O legado da Europa não é de somenos importância. É todo um lastro que serve para aguentar as tempestades que têm assolado a Europa. Sem este cimento, mesmo que módico para as niilistas exigências da atualidade, não teria a Europa naufragado, mergulhada no vómito do seu próprio apocalipse? 
Talvez seja um otimismo minimalista, concedo. Uma defesa da Europa, ela própria, minimalista, porque gravitando no que foi garantido e que parece ser desprezado pelos cidadãos refratários e pelos eleitores atraídos por radicalismos que abjuram a ideia cosmopolita da Europa. E por análises catastróficas que sublimam o acessório (as políticas erradas) em detrimento do essencial (os valores imanentes à ideia de Europa). Eu digo que é melhor do que a alternativa. Por várias que sejam as fragilidades da União Europeia, é melhor o mal menor que é tê-la.

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