27.9.19

Quantos chapéus usamos? (Redoma)


Public Image Limited, “Rise”, in https://www.youtube.com/watch?v=Vq7JSic1DtM
Quando somos atores, porque temos de ser atores (uma contrariedade?), falta saber que chapéu usar. A análise não admite falhas, para que o diagnóstico cumpra a função: as capacidades interpretativas do momento e da circunstância exigem perícia, sob pena de o chapéu escolhido ser um equívoco. O melhor critério é guardar na arrecadação do pensamento um número considerável de chapéus, em número que nunca seja por defeito, não vá acontecer que fiquemos destrunfados de chapéu por defeito de análise.
Verificada a análise, sobra outro desafio: saber combinar o diagnóstico com a análise. O viés não pode ser descartado. O chapéu escolhido pode ser o errado. Aparecemos com um chapéu que não combina com a ocasião. O sobressalto é interior, pois não se aceitam as dores pungentes que sobrelevem por ocasião da perplexidade levantada pelos outros ao serem testemunhas da escolha errada. O sobressalto é interior porque, ao dar conta de termos escolhido o chapéu errado, sentimos a desarmonia de um chapéu que não casa com a cabeça, que pedia outro chapéu. A empreitada é sensível e complexa. Ela é tanta a subjetividade que é elevada a probabilidade de se desacertar no chapéu.
Na hipótese de se sucederem os erros (de análise ou de diagnóstico, ou ambos), sucedem-se os chapéus descontextualizados. A cabeça fica em desmoda. Não será o fim do mundo, a menos que a apoplexia tome de assalto o indivíduo ao saber que os outros dele desdenham pelo equívoco da escolha (o que não deve ser causa de apoplexia). A dificuldade está na elevada subjetividade da escolha, mas não é o único embaraço: o catálogo abundante de chapéus não simplifica a tarefa. É um dos males dos modernos tempos que são estes: quando os cânones ensinam que a concorrência é um dom por aumentar o leque de escolhas, o maximizar da concorrência traduz-se numa miríade de possíveis escolhas, ramificando a confusão. Vamos à caça e acabamos por ser presas. É um sinal de outra toleima da modernidade: a pulsão patológica para tornar as coisas complexas.
Não seria má ideia repensar. Ignorar as convocatórias da complexidade, o torniquete das ardilosas interrogações, aquelas que soam a artificial, as que se acotovelam num lugar exíguo porque o posicionamento filosófico assim exige. É preciso revisitar a arrecadação do pensamento e fazer uma depuração dos chapéus, emagrecendo o inventário. Não precisamos de ser a desmultiplicação complexa de nós mesmos. Não precisamos de trazer a tiracolo, para eventuais manobras de emergência, uma chapelaria abundante. Repensar exige simplificar a personalidade. Saber fazer uma triagem do que interessa, recusando as demandas acessórias ou incidentais. 
O que está em falta é sabermos descobrir a redoma que há em nós, para nos isolarmos das falsas demandas lubrificadas pelos estetas da modernidade. Não se trata de um conservadorismo pueril, ao recusarmos esta modernidade. É um erro trazer o pensamento por corredores tão binários. A redoma em falta é um momento de lucidez. Uma bússola necessária para quem perde o sentido das coordenadas. Na redoma, só cabe um punhado de chapéus. Porque temos de simplificar a personalidade que há em nós.

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