Fontaines D. C., “Big” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=-hWTyG6jP4g
O chão quente sob os pés: parecia um presságio, como se um vulcão estivesse prestes a despontar, inundando tudo com a sua lava lisérgica. Ou podia ser apenas uma impressão, o gotejar das ilusões a marejar entre as ruas tomadas pela fantasia. Fazia tempo que não se lembrava do que estava por inventariar na verticalidade da fala. Tornara-se monástico no adestramento das palavras. Incisivo. Escorreito. Já não usava adjetivos. Passara a considerá-los um ornamento inútil, uma defesa dos falsamente eruditos que usam um fartote de adjetivos para mascarar a bancarrota de ideias. Preferia as palavras curtas e repletas de significado. A simplicidade. Era como se pudesse dizer – até que enfim – que a bonança tinha tomado cais em si. Foi o pretexto para erradicar a monotemática das datas. Não sabia como o recusar, mas dantes era refém das datas que surgiam como símbolos. Quase como se fosse uma prova cabalística, a mnemónica para o porvir numa canhestra coligação com os vestígios de antanho. As datas perdiam espessura. Alisaram-se no novo mapa-mundo que era o lugar que arroteava na companhia de um heurístico desprendimento. Certas palavras tinham sido banidas do vocabulário (do seu vocabulário privado, não do idioma). Palavras outrora imperatrizes, num diálogo improfícuo com a coreografia das datas que se atropelavam em fragmentos dispersos no palco do pensamento. Sobrava a grandeza da sua pessoa. Sem as algemas determinadas pela vontade exterior, com a sua intermediação autofágica. Agora, ele era o fautor do seu próprio calendário. Se lhe apetecesse, um mês não tinha trinta dias, nem um dia cabia na fronteira de vinte e quatro horas. Era feito de uma leveza não sindicável. Penhor dos seus pensamentos. Já não havia correrias desenfreadas por temor da pressa em que o tempo se consumia. O tempo saiu da equação. Já conseguia ver-se de fora de si mesmo e apreciar o espetáculo que lhe era dado a assistir. O que era um feito.
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