9.9.19

Quando a ciência passa a militância em tempos de urgência


Fontaines D. C., “Boys in the Better Land”, in https://www.youtube.com/watch?v=TNXrKBt76zI
Quando estudei, aprendi que a ciência deve ser imparcial. Procurei respeitar esse esteio no ensino de que sou ator. Como professor, ou como investigador, não devo manifestar preferências nem ideologizar os alunos. Isto tem acuidade neste tempo em que alguns, cada vez mais numerosos, não se escondem de umpensamento único que desagua numaTINA (there is no alternative). O pior é a cadeia de reações que uma modalidade de pensamento único e correspondente TINA provocam: o pensamento reativo não se limita a desmontar o pensamento único e a TINA que combate, desejando, em sua substituição, outro pensamento único e uma outra TINA a condizer.  
Há dias, num congresso, ouvi algumas comunicações que confirmam esta tendência. Tendo como pano de fundo o avanço de uma direita retrógrada e incivilizada (Trump, Orbán, Salvini, Bolsonaro, Boris Johnson) e da alt-rightque parece ser seu lastro, vi politólogos a fazer denúncias. Não me incomoda que se acuse esta fação atávica que atropela o que temos por valores civilizacionais; incomoda-me que sejam cientistas sociais, no âmbito da sua profissão, a fazê-lo. É que, ato contínuo, passam a ser atores interessados no jogo político, o que não quadra com o papel imparcial, desligado de juízos normativos que são o alicerce de preferências, escolhas e posicionamentos na paisagem política. 
Este arrebatamento denunciador convoca, por outro lado, uma insinuação: as entrelinhas murmuram que a direita tradicional (chamemos assim) se esvaziou, sendo o centro-esquerda sozinho (na versão moderada) ou acompanhado da esquerda radical (na versão mais incisiva) a única solução para travar a direita que se radicalizou. Argumentam que a direita tradicional se esvaziou ou por ter sido suplantada pelos novos atores que são intérpretes da radicalização da nova direita, ou porque a própria direita tradicional, movida pelo oportunismo político, se aproximou da retórica da direita radicalizada e dela tomou de empréstimo algumas das suas propostas. 
Esta generalização sinaliza é denotativa de uma agenda e de uma intencionalidade. Tomar a árvore pela floresta é o pecado original destes cientistas sociais. A alt-righte os seus gurus constituem um perigo à democracia plural. Também admito que alguns políticos da direita civilizada caíram no logro da aproximação à retórica radical. Todavia, a generalização que determina o esvaziamento da direita civilizada é exagerada e não inocente. Partindo de cientistas sociais que dever-se-iam manter imparciais, é algo que só surpreende quem não acompanha a militância e o normativismo ostensivo de certos gurus das ciências sociais. 
Não é de estranhar que o ambiente de um congresso esteja contaminado, pois é numeroso o exército de seguidores desses gurus das ciências sociais. Este é o seu pecado original. Tanto denunciam os desvios e a propensão autoritária da alt-right, como (talvez sintomaticamente) omitem os desvios e a propensão totalitarista dos radicais que medram à esquerda. Daí uma agenda e uma intencionalidade que inviabilizam a imparcialidade científica. 
Parece que a deriva radical da direita é um fato à medida destes alfaiates.

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