Nick Cave and the Bad Seeds, “Magneto”, in https://www.youtube.com/watch?v=I4aF-MDumFg
Escolhem-se as palavras tangentes àquelas que consideramos impronunciáveis. Não é tabu; dir-se-ia ser a compostura, essa diplomacia disfarçada, a fazer o seu caminho, travando a consciência antes que ela perca as medidas. Há as palavras que não dizemos. O pudor, ou a interiorização das suas más consequências, ou apenas uma irritação semântica, um nada que, todavia, se faz um tudo, tanto que a palavra é travada na falésia da boca.
Ou podem ser palavras que não importa dizer. Importunam. Ferem – ferem quem as profere, ferem quem as ouve. São archotes lançados contra a lama onde decaem os inocentes que por elas são arrastados até a esse lugar. Por assim serem, são palavras que congeminam a indecência de quem as tutela, o que pode ser capaz para conter a sua irradiação.
Ou podem ser inoportunas, porque a dança em que se combinam tempo e circunstância não é legado para a sua revelação. As imagens são fortes e podem causar dores pungentes, inscrevendo essas palavras no dicionário das palavras que são proscritas, propositadamente proscritas, sem que haja qualquer laivo de censura. Diz-se: às vezes, mantém-se o silêncio como cura antecipada para os males que o seu contrário podia semear.
Ou podem não ser ditas as palavras porque não apetece dizê-las. Há um sortilégio sem teoria na escolha das palavras. Um dia, uma certa palavra não se coíbe de aparecer, resplandecendo no vocabulário. Noutro dia, por mudança de estética (ou apenas de humor – ou outro critério), a mesma palavra submete-se ao exílio forçado, pois quem a tutela não quer que conste da gramática do momento. O exílio nunca é perene. A qualquer momento, as preferências jogam-se noutro sentido e não é de estranhar que a palavra banida seja resgatada do degredo a que foi condenada.
Existem palavras que sejam património imorredoiro do vocabulário em exílio? Há pessoas cavalheiras, de fina educação, que não usam o calão. Não se coíbem de o usar quando perdem a cabeça, ou em privado, o que não abona a identificação do calão como vocabulário exilado. Há palavras que não são usadas por pertencerem ao exterior do vocabulário conhecido – delas não se pode dizer que são palavras que não se dizem, pois não são ditas por delas haver desconhecimento. E depois há as palavras que não são ditas no diálogo estreito entre duas pessoas, porque essas são palavras que esbofeteiam o outro, ou imprimem a transgressão (quando as pessoas são autoimunes à transgressão), ou fermentam a provocação (e os seus efeitos são nocivos).
Há sempre palavras que não são ditas. Mas não há, na constelação que são os falantes de um idioma, uma única palavra que deixe de ser dita. A menos que esteja por inventar.
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