5.9.19

Os exilados da praça velha (short stories #157)


Pixies, “On Graveyard Hill”, in https://www.youtube.com/watch?v=E2o-65chdoc
          Distinguem-se dos demais: não se incomodam com coisas comezinhas; nem se inquietam com as grandes questões da vida, as dúvidas existenciais que deixaram de ser património tangível. Não se sobressaltam com o mundano – o mundano é frívolo, irrelevante; as notáveis considerações ontológicas, não merecem que se perca tempo com elas. Encontram-se na praça velha, sem calendário fixo. Vão conforme o instinto os manda ir. De cada vez que um dos exilados assenta na praça velha, sabe que vai encontrar alguns pares. É como se comunicassem telepaticamente. Saúdam-se com um discreto acenar de mão. Sentam-se nos bancos envelhecidos do jardim sobranceiro à praça (não é por acaso que a praça se chama “praça velha”). Ficam em silêncio, quase todo o tempo. Ocasionalmente, um dos exilados balbucia umas palavras vagarosas: “as pessoas estão cheias de pressa.” O que o ladeia, anui com um leve acenar da cabeça. E continuam a apreciar o movimento da praça, das pessoas que passam de um lado para o outro e das outras que contrariam esse movimento. Outro exilado rompe o silêncio: “aquela senhora de meia idade, para onde irá? A uma consulta no centro de saúde? Trabalhar? Encontrar-se com o amante a desoras, para não levantar suspeitas?” O exilado que circunstancialmente se encontra na praça velha responde com mutismo e impassibilidade. Considera que as interrogações do parceiro são frívolas, logo, não cabem na visão discreta que pertence aos exilados. O outro percebeu. Manteve-se em silêncio. Se tentasse corrigir o lapso, seria pior. Não ficou sem interiorizar o acontecido: quem estabelece as baias do que é mundano e deixa de o ser? Ele sabe que há um código de conduta entre os exilados. Implícito, o código de conduta. Como se fosse telepático. E se o outro exilado se manteve impassível depois da derradeira consideração, é porque ela não quadrava com o código de conduta. O exilado que escorregou para aquelas interrogações não saiu convencido da praça velha. Um código de conduta não pode resultar de uma omissão unilateral de um dos participantes.

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