Andrew Bird, “Harvest Moon” (Neil Young cover), in https://www.youtube.com/watch?v=MqgOBZ7wGPg
(Mote: Neil Young, “(…) Because I’m still in love with you (...)”, in Harvest Moon)
O amor não rima com a palavra ainda. Não pode rimar. O amor é de uma exigência tal, que dizer “eu ainda te amo” peca por defeito. O “ainda” supõe que o amor murchou. Que vai a caminho da extinção, provavelmente. Ora, por dentro da sua totalitária exigência, o amor não admite o arrefecimento que transporta a palavra “ainda”.
O amor é, que se conheça, o único totalitarismo de boa estirpe. Exige muito dos amantes. Não é que cada amante possa exigir do outro. Se assim fosse, haveria um cerceamento da liberdade que não é aceitável na grandeza intrínseca do amor. É um desafio para cada um dos amantes. No seu âmago, enquanto se entregam no altar sublime do amor. Quando alguém diz que ainda ama o outro, é como se houvesse um arrefecimento do amor e ele já não fervesse com a mesma intensidade. O amor não se mede numa escala de intensidade. Ou existe, ou está ausente. Como é totalitarismo de boa estirpe, é também dos poucos domínios onde se tem de aceitar o pensamento binário. Ou existe, ou está ausente.
Pode acontecer que as pessoas enamoradas que admitam este seu estado de espírito não tenham consciência da utilização das palavras. Dá-se uma certa banalização da linguagem, com a adulteração de palavras que, com o uso corrente, se reinventam com um novo significado. Dificilmente parece ser o caso da palavra “ainda”. Ainda é, ainda e sempre, ainda. Não está aberto a uma reinterpretação através de um uso adulterado. Sai reforçado o equívoco em que laboram os que deixam cair a palavra “ainda” na frase “amo-te”. Ou então, esses amantes declinados precisam de uma reconfiguração do amor, do significado do amor.
Dir-se-ia que declarar “eu ainda te amo” é preferível à ausência da declaração. Dir-se-ia que os amantes precisam constantemente de se recordarem um ao outro do que os cimenta num uníssono. Mas os amantes não dão conta que declarar “eu ainda te amo” é uma frase que pode corresponder ao suicídio do amor. O amor não suporta a teoria do arrefecimento global. O “ainda” que se funde na declaração de um amante arrepia caminho ao congelamento do amor. Com o risco de não haver processo de descongelação que o valha.
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